Do Interior, com exigência e memória

Escrito por Aida Carvalho

Assumir um mandato pelo distrito da Guarda é assumir uma missão: dar voz ao Interior, onde tantas vezes se ouve apenas o eco das promessas que ficam por cumprir. É também assumir um dever de exigência, porque o Interior não quer favores nem discursos redondos. Quer justiça, ação e respeito.
É esse o compromisso que assumo ao iniciar este mandato na Assembleia da República. Um compromisso com as pessoas e com o território. Com quem trabalha, vive e resiste numa região onde as dificuldades são muitas, mas onde não baixamos os braços. A minha função será amplificar voz de todos.
O Programa do XXV Governo Constitucional promete «infraestruturas que projetem o país», «serviços de saúde mais próximos» e «investimento em coesão territorial». Mas, lido da perspetiva de quem vive no Interior, o que encontramos é um conjunto de intenções genéricas, ausência de metas e falta de compromisso com o que já devia estar feito.
Há sinais que devem colocar-nos em alerta: não existe qualquer menção ao desenvolvimento do Porto Seco da Guarda, nem à continuidade do investimento no Hospital da Guarda. São apenas dois exemplos.
O Porto Seco, o primeiro do país, resulta de uma decisão política do Governo do PS, que concessionou à APDL (Porto de Leixões) a gestão e operação desta infraestrutura logística, aduaneira e económica que projeta a Guarda como nó estratégico no eixo dos mercados internacionais. O Governo da AD deixou arrastar a questão do financiamento do terminal de mercadorias até à véspera das eleições legislativas de maio. Já passou mais de um mês desde o anúncio da adjudicação das obras. Também vamos ter de esperar até à véspera das eleições autárquicas? A cada mês perdido, a competitividade da região recua e, num mundo em convulsão, pagaremos caro este tacticismo eleitoralista.
Na área da saúde, é inqualificável que uma obra de 9 milhões de euros, pronta há mais de um ano – a nova unidade materno-infantil do Hospital da Guarda – ainda não esteja em plena operação. E não podemos deixar de exigir a concretização do restante plano da segunda fase de requalificação dos edifícios, que estava em curso. Queremos soluções concretas, planeamento sério e resposta célere às dúvidas.
A reabertura da Linha da Beira Alta arrasta-se há demasiado tempo. Trata-se de um eixo ferroviário essencial para ligar a economia da região ao país e à Europa. O Governo liderado pelo PS foi quem retomou o investimento estrutural na ferrovia em todo o país e lançou a renovação integral desta linha. Exige-se agora que a nova maioria se comprometa com a sua entrada em operação, com todos os meios necessários, e com uma oferta plena de ligações ferroviárias a toda a região, ao país e à Europa, tendo a Guarda como estação de referência do Interior Norte, tal como estava previsto no Plano Ferroviário Nacional, concluído e colocado em discussão pública no final de 2022.
Como deputada do PS eleita pela Guarda, sei que carrego a responsabilidade da exigência, com a autoridade de integrar a bancada de um partido que, sempre que governou, teve políticas concretas para o Interior e levou a cabo os maiores ciclos de investimento no distrito da Guarda.
É também com sentido de missão que, além da representação da Guarda, assumo com orgulho e responsabilidade a coordenação da representação do Grupo Parlamentar do PS na Comissão de Educação e Ciência numa fase absolutamente fundamental para as instituições do ensino superior com a revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) e a revisão do Estatuto da Carreira Docente com propostas de alteração em discussão. É fundamental a valorização da escola pública, o reforço da autonomia das instituições de ensino superior e a estabilidade das carreiras docentes, bem como uma aposta sustentada na ciência e na inovação das áreas decisivas para o futuro do país. É primordial que estas políticas não deixem o Interior para trás, pois Politécnicos como o Politécnico da Guarda desempenham um papel vital na coesão territorial e no combate à exclusão. Contudo, para cumprirem plenamente esta missão, necessitam de financiamento adequado e de condições atrativas para captar estudantes e investigadores, promovendo uma ligação forte ao tecido económico e social da região, na medida em que os territórios só são ricos se tiverem ciência, assim, comprometo-me a defender esta agenda com muita determinação.
É igualmente importante denunciar uma estratégia de comunicação que parece querer criar factos políticos com base em medidas que já existem. Foi o que aconteceu com o anúncio da “possibilidade” de pagamento dos subsídios de férias e de Natal em duodécimos, algo há anos é seguido por tantas empresas, quando os trabalhadores optam por esse regime. Portugal precisa de clareza, não de ilusionismo.
Nesta nova legislatura assumiremos uma postura à altura do mandato que nos foi confiado. Construtiva, mas vigilante. Responsável, mas exigente. O país precisa de estabilidade, sim. Mas precisa sobretudo de progresso. E não há progresso se o Interior continuar a ser deixado para trás.
O distrito da Guarda – os seus 14 concelhos, as suas instituições, as suas comunidades – exige respeito. E continuará a ter uma voz firme na Assembleia da República. Uma voz que leva consigo a memória do que foi feito e a ambição de tudo o que ainda falta fazer.
Porque o Interior não é um problema. É parte da solução.

* Deputada do PS na Assembleia da República eleita pelo círculo da Guarda e coordenadora da Comissão Permanente de Educação e Ciência

Sobre o autor

Aida Carvalho

Deixe comentário