Sabemos que o Mal, tal como o Bem, existe. Claro que o Mal, por ser mais dado a não ter limites, acaba sempre por nos parecer maior, mais abrangente e transversal do que o que realmente pode ser. Mas o certo é que nos pode aparecer de várias formas, incluindo a do riso. Acontece, frequentemente, ouvirmos certas piadas e – vá lá saber-se porquê – lembrarmo-nos das anedotas, sobre alentejanos, e sobre louras (jamais sobre louros) e “pretos” e homossexuais, dos anos 80 do século passado, quando, num tom pernóstico, gostávamo-nos de nos rir dos “outros” sem perceber, não querendo minimizar tão salutar exercício, que nos ríamos de nós próprios.
Na altura, talvez a criancice nos pudesse servir de desculpa, o que hoje, de todo, não acontece. Pelo que nos ficará a faltar explicação para esta nossa mania de querermos continuar a achar piada aos que, a pretexto do humor e de uma alegada liberdade de expressão, dão em piscar o olho ao rancor agregado pelo crescente número de fascistas que, de todos os lados, nos vão saltando à frente.
Felizmente, os sorrisos escarninhos, com que alguns humoristas acabam por denunciar a sua intenção de golpear, vexar e demolir quem, pela posição social que lhes pretendem atribuir, não se atreverá a retaliar, tal como as antigas anedotas um dia o foram, começam a ser postos em causa. Pelo menos, já apareceu quem não pretenda deixar-se amarfanhar por tais sorrisos e, de forma um tanto ou quanto inusitada, seja capaz de retaliar e se proponha contestar em tribunal a venerável gramática pela qual alguns destes humoristas de pacotilha pretendem que o mundo se reja. Por via disso, neste desfile de sorrisos, tão perversos como os das crianças que matam pardais para os meter em caixas de sapatos, começa, finalmente, a aparecer quem se atreva a dizer que o rei vai nu. Que o humor baseado nas fragilidades do outro é opressivo, porque a liberdade de parodiar acaba também por ser um poder de censurar, de desclassificar em que acaba sempre por sobressair aquilo que Bourdieu apelidou de «racismo da inteligência».
Provavelmente, mesmo numa perspetiva meramente comercial, teria sido bem melhor responder ao humor com humor. Contudo, este teria de ser tão subtil que se correria o risco de não alcançar nenhum dos mercados envolvidos. Nem a clientela musical, nem a humorística dariam por ela. Não fora por isso, seria capaz de acabar, bem mais depressa, com esta discussão que opõe o ultra conservadorismo de uma humorista, avessa a transgressões, à falta de jeito de uns cantores, avessos a toques de marcha, para “desmilitarizar” o hino. O que, atendendo aos respetivos contextos, não sendo surpreendente, não deixa de ser paradoxal. O humor, chocado com a irreverência e ousadia dos cantores do hino dos motociclistas, não teve mais, nem boa, do que ir-se a eles com todas as ganas que conseguiu para, cáustica e demolidoramente, os censurar e, sabe-se lá mais o quê. Porque isto, do humor, à semelhança de tudo na vida, nunca é tão inocente e inócuo como nos querem fazer crer.