No início desta semana, o líder mundial da Igreja Católica faleceu. Sendo ateu de todas as religiões – não acredito em deuses nem em revoluções – foi com espanto que ouvi, ao longo desse dia, os líderes nacionais do neo-comunismo a fazer declarações de amor ao Papa Francisco, como se as suas agremiações nunca tivessem combatido – às vezes, ferozmente – tudo aquilo que as igrejas e as religiões representa. Durante muito tempo, a esquerda radical confundiu propositadamente o escolhido pelo Espírito Santo com um enviado do Banco Espírito Santo.
Como vivem num mundo caricatural, nunca quiseram reconhecer o papel social das religiões, e o verdadeiro papel das várias igrejas cristãs na educação, no apoio aos mais pobres. Vêem em Francisco o que nunca quiseram reconhecer na encíclica de Leão XIII, “Rerum Novarum”, publicada em 1891 – que se referia explicitamente ao capitalismo e às condições do trabalho. Durante o século XX, os diversos bandos do socialismo revolucionário batalharam, por palavras e acções, contra a doutrina social da igreja. Muito provavelmente, por serem doutrinas concorrenciais na forma de pensar uma configuração do mundo.
Sem espanto, percebe-se que a esquerda revolucionária talvez gostasse de Francisco por uma outra razão – porque tinha o sonho molhado de que este Papa, por ser sul-americano, por ser mais desbocado, por ser mais próximo do povo, por gostar apaixonadamente de futebol, poderia ser uma causa de fractura interna e destrutiva da instituição. E para leninistas, trotskistas, maoístas, não há nada que os excite mais do que ver ruir instituições que não tenham sido edificadas segundo o pensamento pós-marxista que os guia.
“Ó senhor Nuno, também está a ser caricatural!”, diz agora um leitor que não me conhece de lado nenhum – é por isso que me trata por “senhor”. Pois estou, mas queria o quê? Um ensaio de filosofia e teologia política numa página? Era o que mais faltava. E nem é por falta de espaço, é por falta de jeito e de inteligência. E de vontade.
Pensando bem, muitas vezes uma pessoa dedica mais tempo a coisas que a chateiam do que a coisas que a aprazem. Um exemplo? Nesta coluna semanal, António Costa teve infinitamente mais referências do que Viktor Gyökeres.
Pode perguntar novamente, estimado leitor. “Senhor Nuno, porque é que escreve aqui tantas vezes sobre o que o incomoda nas esquerdas (na radical e na normal) e quase nunca sobre o que o satisfaz no centro e na direita?” A resposta é simples. Porque é mais fácil escrever sobre assuntos que existem em abundância do que andar à procura de coisas ínfimas em conjuntos vazios.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia