Uma fraude ancestral

Escrito por António Costa

No início do século XX, a localidade de Piltdown, no sul de Inglaterra, ganhou destaque na comunidade científica com o anúncio de uma descoberta que iria preencher a lacuna entre o ser humano moderno e os seus ancestrais primitivos.
Em outubro de 1913, Charles Dawson, arqueólogo amador e colecionador de objetos raros, declarou perante a Sociedade Geológica de Londres ter descoberto o “Eoanthropus dawsoni”, o “Homem de Piltdown”, o antepassado da humanidade, o elo perdido. A descoberta feita numa quinta em Piltdown consistia em vestígios fósseis de mandíbula, uma parte de um crânio e um dente. O crânio do “Homem de Piltdown” apresentava uma combinação intrigante: um crânio grande semelhante ao dos humanos modernos, e uma mandíbula primitiva, semelhante à dos macacos. Esta mistura parecia confirmar a ideia, popular na época, de que a evolução humana teria começado com o cérebro – antes de outras adaptações físicas. Estes vestígios foram recebidos pela comunidade científica com entusiasmo, embora alguns expressassem ceticismo porque a mandíbula parecia desproporcional ao crânio, e não havia marcas naturais de desgaste nos dentes que justificassem o seu encaixe.
O “Homem de Piltdown” tornou-se uma figura central na paleoantropologia por décadas, influenciando a compreensão da evolução humana. No entanto, em 1953, já com Dawson falecido, uma equipa de investigação descobriu que os vestígios tinham sido propositadamente tingidos, lascados e enterrados num poço onde acabariam por ser encontrados pelo advogado e colecionador. Com recurso a testes de datação por fluor, ficou demonstrado que se tratava de uma falsificação bastante elaborada: o crânio era muito mais recente do que se pensava, a mandíbula, por sua vez, pertencia a um orangotango, cujos dentes foram artificialmente desgastados para se parecerem com dentes humanos e a cor escura dos ossos foi resultado de um tratamento químico.
Quem cometeu a fraude? Porquê? A identidade do falsificador, até hoje, permanece um mistério. Charles Dawson é o principal suspeito, mas existem indícios de que outros elementos possam ter participado. O que é certo é que desde que o engano foi divulgado surgiram especulações de todo o tipo. Uma delas recorda que o único país onde nunca se tinham encontrado vestígios de hominídeos pré-históricos era a Grã-Bretanha, e propõe que é possível que Charles Dawson se tenha proposto resgatar a “honra britânica” criando uma das maiores fraudes científicas da história. Mas, independentemente de qualquer hipótese, a verdade foi para a tumba com o seu autor.

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António Costa

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