A defesa dos cardumes contra os predadores é uma movimentação em ondas e desenhos estéticos incríveis. Os mergulhadores filmam a dança do desespero durante horas, enquanto os predadores na água e no ar dizimam as sardinhas ou outros cardumes de indefesas fontes de alimentação dos mares. Segundo alguns entendidos, a ideia do cardume é a proteção contra o ataque individual, a construção de uma confusão visual para afugentar predadores mais pequenos. Na verdade, o que os filmes mostram é um massacre sem quartel, um ataque urdido por todos os lados que permite um festim dos deuses. Aquele cardume é presa fácil e não foge ninguém. São apagados inúmeros traços do desenho móvel que, num processo bailado, tenta ultrapassar a barreira de comilões que vai chegando em grande número. Na diluição, o eu específico tenta a proteção, mas a realidade obriga a que todos passem por todas as posições e, portanto, a probabilidade de ser alimento é coerente, é transversal, é da equidade máxima da tragédia. Com os estorninhos há algo semelhante, desenhando ondas nos céus, a escapar de águias e falcões. O “fight back” não existe nos cardumes, bandos e manadas de gnus. A imensidão do número não riposta, como não o fazem os ovinos. As galinhas são dizimadas pela raposa e as ovelhas pelos lobos. Ripostar é uma coisa só possível para alguns e totalmente impossível para outros. Desconheço se temos um botão, um gatilho, algo que nos permita ripostar, mas a realidade é que a certeza da morte garante a inoperacionalidade das multidões. Terão medo os gnus? Ou as sardinhas? Os homens submissos sim. Libertos da pressão dos predadores, eles organizam-se para conquistar. O mesmo não acontece com as impalas. Entre os humanos a construção da resposta à agressão é um ato de poucos e por isso os do poder afastam quem lhes pareça responsivo. A morte como castigo reduz a vontade de quase todos!