Tudo como dantes…

1. Quando falamos dos políticos, dizemos quase sempre que estão cada vez mais distantes dos cidadãos. Nada mais errado! Como comentou António Barreto, «um dos grandes mitos da política contemporânea» é concluirmos que os políticos «estariam cada vez mais distantes dos eleitores e mais longe do povo!».
Na verdade, as políticas podem estar cada vez mais distantes dos interesses e preocupações das pessoas, mas os políticos nunca estiveram tão perto do povo – é ver a correria de ministros, secretários de Estado, presidentes de câmara, deputados e outros dignatários. Ou mesmo a omnipresença do Presidente da República (quem não tem uma selfie com Marcelo?) ou do Primeiro-Ministro. Os políticos estão por todo o lado: nas inaugurações, nas tragédias, nos incêndios, nas procissões e nos funerais… Garantir a simpatia do eleitorado é a missão dos políticos de hoje. Não interessa o que fazem ou decidem, o que é relevante é estar presente, mostrarem-se, serem vistos…
Hoje, qualquer político leva atrás de si um séquito de secretários e adjuntos, de repórteres e fotógrafos da máquina de propaganda montada para filmar e mostrar nas redes sociais – ainda que depois só os acólitos vejam, mas são sempre umas centenas que põem gostos e aplaudem no Facebook ou no Instagram. Funcionam em circuito fechado, sem qualquer sentido crítico, numa feira de vaidades inelutável e irresistível onde o que importa é mostrar o circo do poder e dos seus seguidores – quebram-se os silêncios respeitadores, atropela-se a honorabilidade dos atos, interrompe-se a dignidade do momento, tudo em nome da imagem que é preciso registar e mostrar aos seguidores e “amigos” ausentes (apenas como exemplo: na entrega do Prémio Eduardo Lourenço 2018, na BMEL, os assistentes não puderam ver o grande abraço entre Eduardo Lourenço e o laureado Basilio Losada porque o fotografo e repórter da câmara da Guarda, no seu afã de tudo registar para depois mostrar nas redes sociais, tapou completamente a imagem aos presentes e provocou ruído tal que ninguém vivenciou a dimensão do momento).

2. Escrevi a 8 de novembro de 2018 que «a Guarda foi o elevador que permitiu a Álvaro Amaro estar entre os vencedores e lhe garantiu a ribalta que tão bem soube aproveitar. Nos primeiros meses de 2019 se verá, mas Álvaro Amaro tem as malas preparadas e nelas leva argumentos suficientes para o presidente do PSD assumir a vontade do presidente dos autarcas sociais-democratas (…) argumentos que pesarão na putativa inclusão de Amaro entre os primeiros na lista para o Parlamento Europeu. Carlos Chaves Monteiro é o senhor que se segue na Guarda. E já a partir de maio de 2019». Passados quase quatro meses, o nome do presidente da Câmara da Guarda parece cada vez mais uma certeza entre os eleitos para a Europa. O PSD não deverá conseguir eleger mais de seis deputados ao Parlamento Europeu (três poderão ser mulheres) e o autarca deverá acompanhar Paulo Rangel e José Manuel Fernandes rumo a Bruxelas.
Para trás, Amaro deixará uma casa em guerra aberta entre Chaves Monteiro e Sérgio Costa; será um PSD órfão, a olhar para o passado (representado por João Prata), à espera da afirmação de Cidália Valbom ou Chaves Monteiro (que tarda) ou do regresso (improvável) de Manuel Rodrigues e sem oposição (o PS continua a sua travessia do deserto, sem aproveitar o contexto para recuperar eleitores, fazer oposição e preparar uma candidatura forte). A herança será dissecada e muitos dos que comem à mesa do orçamento sairão das sombras para zurzir na herança de Amaro – que deixará a autoestima dos guardenses pelas nuvens, um legado de afirmação da Guarda, a sede da CIM e da CVRBI, o saneamento financeiro da autarquia, um par de eventos relevantes (Cidade Natal e FIT), meia-dúzia de rotundas (a mais inexorável e incrível ainda por inaugurar na Estação), a cultura vergada ao “popularucho” e projetos, da alameda da Ti Jaquina à variante à Sequeira, dos Passadiços à candidatura a Capital Europeia da Cultura de 2027. Se se confirmar a saída de Amaro, a Guarda perderá o mais relevante e popular autarca desde Abílio Curto. Muito mais do que aquilo a que estávamos habituados, mas muito menos do que o anunciado e tantas vezes exaltado.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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