Senhor, por mim, pode mandar outro dilúvio

Nos últimos dias, a minha ocupação principal foi ler teorias a que posso chamar alternativas, mas que outras pessoas, menos sensíveis a epistemologias do açude, poderiam designar como parvas. São fruto de estabelecer conexões com referenciais de relatividade comparativa, de hiper-realidades autoproduzidas ou, simplesmente, de chanfradice.
Destas criaturas emergem sabedorias esconsas, ora provenientes de presidentes de clubes de futebol que vêem marcianos em cabines de vídeo, ora de excelsos estudantes universitários, convencidos que «os meios de comunicação tradicionais como a rádio e a televisão “desempelharam” um papel fundamental durante todo o século XIX». Desta última não duvido, até porque foi por essa altura, se a memória não me falha, que começou o “Preço Certo”.
Entretanto, um ex-vice-al-mirante aspira ser o futuro-próximo-presidente desta nação, um desejo que não seria possível em 1825, em parte por causa do regime monárquico, em parte por causa das verdadeiras aspirações do povo nesse fim do primeiro quartel de Oitocentos, como sistematizado por um aspirante a académico: «Em 1825, a principal aspiração das pessoas era que um dia pudesse haver internet e telemóveis». Foi por isto, e não por outras razões, que começou a Guerra Civil entre absolutistas do Facebook e liberais do Instagram.
Em direcção ao futuro, a Europa prepara-se para as muito prováveis provocações e ataques da Federação Russa. Por cá, ainda longe de Vladivostok, uma jovem instada a pensar sobre o futuro da tecnologia, imaginando-se em 2225, questiona: «Mas posso usar a imaginação e a criatividade?». Em princípio, o método científico não é esse. Esperava-se que, para descrever 2225, criasse uma máquina do tempo, viajasse ao futuro e trouxesse um relatório etnográfico detalhado no regresso.
O regresso aos clássicos é sempre uma sólida base para a compreensão, especialmente aqueles que são fundadores de uma mundivisão que sustenta uma intersubjectividade do real. Hobbes, por exemplo, reconhecia a importância do poder do Estado. Mas, aprendi esta semana que, «segundo Marx, a televisão ajudava a divulgar e a manter a ideologia mantida pelo Estado». Marx era um irmão barbudo de Groucho, e Friedrich, que era só Engels, tornou-se uma pessoa azeda por, apesar de escrever a meias com Karl, não poder fazer parte da pandilha dos Irmãos.
Felizmente, vivemos hoje num mundo global. Citando uma poeta dos testes, «visto que é a partir da globalização que se constroem todas as relações e tudo o que nela abrange». Amen!

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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