“Orgulho de ser, sem vontade de fazer”

Escrito por Romeu Curto

Somos beirões de peito cheio. De cachecol ao pescoço e sotaque na alma. Somos os primeiros a dizer “eu sou da Covilhã”, “sou da Guarda”, “sou de Castelo Branco” – como se a simples enunciação bastasse para justificar um tipo de superioridade moral, uma identidade antiga e inquestionável. Orgulhamo-nos da nossa terra, do nosso queijo, das nossas vistas, das nossas gentes. Mas quando chega a hora de nos mexermos por isso… ficamos sentados.

O paradoxo é este: falamos com orgulho da nossa identidade beirã, mas raramente a defendemos na prática. Queremos que a nossa cidade seja reconhecida, mas somos os primeiros a comprar o que vem de fora, a assistir ao que vem de fora, a apoiar o que vem de fora. Como se o que é nosso estivesse sempre por acabar, ou a precisar de validação alheia para merecer o nosso tempo.

Isto não é uma generalização amarga. É um retrato real, com nome e rosto. Basta olhar para os cartazes dos eventos culturais na região. São muitas vezes os nomes de Lisboa, Porto ou Braga que enchem salas. E quando surge um artista local, um projeto beirão, o público é curto e o entusiasmo… Quantas vezes ouvimos dizer “é só o rapaz ali da terra”, como se isso, em vez de um motivo de apoio, fosse uma razão para ignorar?

O mesmo se aplica ao consumo diário: preferimos o pão do supermercado à padaria da esquina, o festival urbano de cartaz cheio à festa comunitária onde todos se conhecem, o restaurante da moda no Instagram à tasca com sopa feita como antigamente. Mas depois, queixamo-nos de que o centro está a morrer, que os jovens saem, que não há nada para fazer.

E isto não é apenas um problema económico ou logístico. É uma questão de cultura e de coerência. Queremos um interior vibrante, com vida, mas não o alimentamos. Não basta dizer “a minha terra é a melhor” – isso é turismo emocional. É como pendurar uma bandeira na varanda sem nunca abrir a porta a quem passa.

Precisamos de mais do que orgulho. Precisamos de envolvimento. Precisamos de olhar para o que é nosso com o mesmo encanto com que olhamos para o que nos chega embrulhado em sotaque diferente. Porque se não formos nós a valorizar o que temos, ninguém o fará por nós.

A identidade beirã não pode ser só memória, nem só discurso. Tem de ser prática. Tem de ser escolha. Tem de ser ação. Caso contrário, seremos apenas aqueles que dizem que adoram a terra — mas assistem, de braços cruzados, à sua erosão lenta.

E não há orgulho que resista a isso.

“A imagem da cidade é criada a partir de elementos móveis, as pessoas que nela circulam e as atividades que nela têm lugar, e de elementos físicos, a forma e o espaço da própria cidade.”​ Santo, 2010, Pág. 80

 

A cidade somos nós — os que passam, os que fazem, os que escolhem entre estar presentes ou deixar o lugar vazio.

Docs de apoio:

Santo, T.R.C.E. (2010). Covilhã | Paisagem Industrial. [Tese de Mestrado]. Universidade da Beira Interior

Sugestões culturais deste mês:

Últimos espetáculos do Festival Y e ainda o Concurso Internacional de Música Júlio Cardona.

junho, 2025 Romeu Curto

Sobre o autor

Romeu Curto

Deixe comentário