Em democracia, como bem se sabe, o poder é alcançado através do voto das pessoas. Porém, estando elas próprias expostas a tendências geradas por quem vive de tal negócio, o das tendências, entenda-se, essas escolhas não nascem de geração espontânea. Atualmente decorrerão da moda de se ser antipolítica e antipolíticos. Acontece que, suspendendo a política, se suspendeu também o tempo. Uma cidade não decide “morrer”, morre porque a política que lhe dava vida foi suspensa.
Quando um autarca assume não andar de transportes públicos urbanos e, por isso, não ter como saber se as campainhas dos ditos funcionam, revelará apenas duas coisas dignas de relevo: a ausência de políticas para a mobilidade e o desprezo por tudo o que não conhece, nem está interessado em conhecer. Atitude que, não fora pelo facto de gostar tanto de vir recolher os aplausos pelo que corre bem, poderia até ser tão legítima como outra qualquer. Assim, além de despropositada, talvez não seja tão legítima como isso. Pois, tal como toda a gente sabe que não é quem inaugura meia dúzia de quilómetros alcatroados, ou o corrimão de umas escadas, que andou a acarretar a gravilha, ou a apertar parafusos, por os percorrer diariamente e lhes sentir a falta e, ainda assim, é todo despachado a ir lá pôr o nome, também toda a gente sabe que deveria exibir o mesmo despacho para resolver o que houver a resolver. Quando assim não acontece, sob pena de todos sermos coniventes, restar-nos-á perguntar sobre o que pensarão estas cabeças, quando querem ganhar o poder sem sequer saber o que fazer com ele.
Obviamente que ainda mais intrigante será o facto de algumas alminhas terem votado no sentido de lho darem, mas, quanto a isso, agora pouco ou nada se poderá fazer a não ser lembrá-las que, por muito sedutores que os arraiais possam ser, nada se compara à fruição de uma urbe bem cuidada. Ou, no mínimo, tão cuidada como aquela que se vai diluindo na nebulosa memória. A única entidade que, apesar de se saber como gosta de nos atraiçoar, jamais nos desamparará a meio de uma qualquer encruzilhada. Quem, a meio de um contratempo, não se agarrou às lembranças das nossas ruas cheias de gente, dos bancos vermelhos dos nossos jardins e das brincadeiras nos pátios das nossas escolas que atire a primeira pedra. Claro que são só lembranças. Ninguém espera voltar a ser pequeno, regressar àquelas escolas ou àqueles bancos de jardim. Agora que todos esperamos que a vida continue a pulsar nas ruas das portas fechadas e janelas escaqueiradas e nas escolas meio ocupadas para nos continuarem a lembrar de que somos de uma cidade que merece outra atenção e destino, esperamos. Uma cidade, mesmo não decidindo morrer, pode sempre decidir viver. Ao fim e ao cabo, às pessoas que escolhem talvez baste querer retomar a política que foi suspensa e, com ela, recuperar o tempo desperdiçado por quem só está interessado em recolher os aplausos das coisas boas, recusando qualquer responsabilidade pelas outras todas. Que, por sinal, até serão bem mais.


