Dia de apagão

Escrito por António Ferreira

Apenas por um momento senti, na segunda-feira, que o apagão podia tornar-se uma coisa mais séria do que parecia inicialmente. Foi quando as operadoras desligaram a rede 5G e se tornou de repente quase impossível aceder à internet. A rádio, último recurso, pareceu de repente emitir aos solavancos, repetindo a última frase pronunciada quando se conseguia ouvir alguma coisa. Não havia televisão e o pouco que era acessível nas redes sociais, antes do encerramento do 5G, tinham sido teorias da conspiração: esquadras russas, conferências de imprensa da Presidente da Comissão Europeia, navios de guerra da NATO a patrulhar o Atlântico Norte.
Do governo, nem sinal. Os telefonemas aos filhos ou não eram possíveis, ou pouco se entendia. Era apenas em Portugal e Espanha, mas falava-se também na França, e em aeroportos parados na Alemanha e noutros países. Dizia-se que também o Brasil estava afetado.
Com tantas notícias contraditórias, verosímeis mais uma que outras, mas num cenário já em si inverosímil, a verdade deixou de circular, ou pelo menos de ser reconhecida como tal.
Pelas ruas circulavam carros à procura de um posto de abastecimento de combustíveis, de quem vendesse água ou comida, rádios a pilhas e lanternas e velas. Sabia-se que a qualquer momento podia faltar a água, como faltava já em vários locais. Ao longe viam-se os aerogeradores, parados por falta de vento ou por outro motivo obscuro qualquer. Haveria um ataque informático que os impedia de funcionar ou era apenas a falta de vento?
A rádio funcionava, embora mal, mas seria por quanto tempo se os sistemas de “backup” tivessem também de falhar, mais tarde ou mais cedo? Quanto gasóleo estava armazenado nos hospitais para fazer funcionar os geradores? E do governo continuava a não haver notícia e, quando houve, apenas para dizer pouco mais do que o problema não tinha tido origem em Portugal.
Continuamos sem saber se foi ataque informático ou simples avaria da rede de transporte de energia, mas ficámos a saber que isto podia acontecer e aconteceu, que com muito pouco é possível destruir a civilização, que a informação credível e verdadeira é essencial, que faz falta ter em quem confiar nos momentos difíceis, que é essencial a cooperação internacional e ter vizinhos e amigos de confiança. Que a catástrofe é possível e está à espera de uma oportunidade para acontecer.

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António Ferreira

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