Sombra da velha senhora

Escrito por Diana Santos

O Papa Francisco foi, sem dúvida, um progressista. Uma figura incontornável do nosso tempo, marcada pelo respeito incondicional pelo outro, independentemente da sua raça, credo, orientação sexual ou visão política.
Num gesto de abertura e humanismo raro, levou artistas, músicos e comediantes ao Vaticano, lembrando-nos que a vida é mais leve – e mais sentida – quando caminhamos com arte e com riso. Com coragem, ousou olhar para dentro da própria Igreja e criticá-la sem medos nem tabus.
Despiu-se do ouro e da faustosidade, que tanta incoerência trazem à persecução da Palavra de Deus. Preferiu a sobriedade do gesto à grandiosidade do trono, elevando – no simbolismo e na prática – a simplicidade da missão de servir.
Não se escondeu diante do horror: assumiu, com dor e firmeza, a vergonha e o repúdio pelos abusos sexuais cometidos por membros da sua Igreja. Deu rosto e voz a esse sofrimento, num compromisso que não apagará as feridas, mas que pode impedir que estas se repitam.
Deixou um legado de empatia, escuta, justiça e humanidade, algo profundamente revolucionário, num mundo tantas vezes tomado pela indiferença.
Também o Papa Francisco era filho da Liberdade, porque a Liberdade é amor, respeito, felicidade, partilha e bondade. Na Liberdade cabem todos, todos, todos. Por isso mesmo, é difícil compreender que, em nome do luto pela sua morte, se silencie a celebração da própria Liberdade que Bergoglio tanto defendeu. Celebrar o dia 25 de Abril é honrar os valores do Papa Francisco que, certamente, sorriu de felicidade ao assistir ao mar de gente com cravos na mão, no peito, nos cabelos e na alma.
Na Guarda, o dia 25 de Abril é também marcado pela celebração do Teatro Municipal que este ano completou 20 anos de existência, um marco que merecia celebrações à altura da sua elevada importância cultural para o distrito.
À semelhança da aposta na cultura por parte desta gestão autárquica, também as duas décadas do TMG passaram em silêncio institucional. O único concerto previsto para esse dia, de Rodrigo Leão, foi cancelado. Não esperaríamos outra coisa por parte deste Presidente da Câmara que não fosse seguir, sem questionar ou contrariar, as orientações políticas do líder do seu partido, Luís Montenegro, até porque, em breve, haverá fotografia conjunta, de forma a ir preparando suscetibilidades para candidatura a anunciar.
Mais grave ainda: o Presidente da Câmara, Sérgio Costa, ordenou o encerramento do Café Concerto – de concessão privada! – impedindo qualquer iniciativa espontânea de comemoração naquele espaço, por parte da comunidade cultural, política e da população em geral.
Um gesto autoritário e autocrata, num ato de castração da Liberdade, num dia em que deveríamos celebrá-la em todas as suas formas: na arte, na memória, na rua e nas instituições.
A tentativa de silenciar esta celebração é, no mínimo, um profundo desrespeito pela identidade coletiva de quem aqui vive e faz cultura.
Apesar deste cheiro a anos 30, a Liberdade esteve nas ruas e o TMG ouviu ecoar vozes e aplausos a desejar-lhe muitas felicidades e muitos anos de vida.
A Liberdade não se adia. A Cultura não se cala. E a Guarda merece muito mais.

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Diana Santos

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