Parvoíces estivais e misérias de sempre

Escrito por António Ferreira

O país arde de novo, como é suposto arder com este clima e esta floresta, mas a culpa é do Governo. Esta oposição do PSD, como a anterior oposição do PS, acha que a culpa pelos incêndios e pela sua dimensão é da falta de coordenação, de estratégia, de meios, de inúmeras coisas que se estivesse ela, oposição, no Governo, haveria com fartura e proficiência. São as parvoíces do costume a que se dá cada vez menos atenção. “Vamos ver o Quem Quer Casar com o Agricultor ou vemos as parvoíces dos políticos no Telejornal?” Tenham dó.
Pior do que isso é a miséria a que chegaram os concursos em Portugal, reveladas mais uma vez com o episódio, também parvo (do latim parvus, pequeno), das golas inflamáveis destinadas a ser usadas sob ameaça de incêndio. Segundo dizem, o preço é caro, ainda por cima para um produto inadequado, o processo de aquisição (sem concurso público) levanta suspeitas e há relações perigosas entre quem vendeu o produto e quem o encomendou.
Podíamos pensar que não, mas das mulheres dos antigos ministros e secretários de Estado do Cavaco até ao genro de Jerónimo de Sousa já todos beneficiaram das vantagens do Estado. Não há, afinal, inocentes no espectro político. É verdade que houve de tudo, do abuso puro e duro ao simples encolher de ombros, talvez até à simples coincidência feliz, mas a nossa classe política já deixou há muito de querer parecer honesta.
A legislação sobre contratos públicos procura por todos os meios prevenir o nepotismo e a corrupção, tentando assegurar que quem fornece o Estado é quem o fará melhor, com mais garantias e menor custo, num processo justo e transparente, mesmo que complicado e às vezes moroso. Sendo este o problema (sim, o problema), há quem o procure contornar de muitas maneiras para que o processo seja mais simples, mais rápido, mas também mais opaco e mais caro para os contribuintes (mas mais lucrativo para eles).
É assim que se dividem obras em obras mais pequenas, que dispensem concurso público e visto do Tribunal de Contas, em que se poderão convidar os amigos e as empresas dos filhos. Ou que se invoca a urgência na contratação depois de deixar propositadamente para a última hora a decisão de contratar, também para evitar as maçadas que implica um concurso público. Ou que se elabora um programa de concurso à medida de modo a que ganhe o concorrente que se quer e com quem se combinou já a percentagem – e se for necessário vai haver um júri, também escolhido à medida, para tratar do resto.

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António Ferreira

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