Opinião de Fidélia Pissarra: Ele há cada um e cada uma

Escrito por ointerior

Infelizmente, a internet aproxima-nos de tudo. Mostra-nos o que queremos e o que procuramos, mas também o que nunca desejaríamos encontrar: o lado mais obscuro da humanidade. Nu, estúpido e cruel aparece-nos à frente a cada pé e passada. Ao contrário dos órgãos de comunicação tradicionais, que só nos mostram o canal, a página ou o título que escolhermos, a internet mostra-nos o que bem lhe apetece. A ela, não a nós e, por muito cuidadosos que sejamos, há sempre um desprovido de senso a saltar-nos à frente, de trás de cada conteúdo.
Ele é o que está convencido de que as vacinas, quando não servem para nos manipular o corpo e a mente, matam. Ele é o que defende os agressores e critica os agredidos. Ele é o que confunde as notícias com manipulação política. Ele é o que culpa os políticos dos últimos 50 anos pelo assassínio do nosso SNS. Ele é o que está convencido que se vestir só roupa de determinada marca, ou nunca a vestir, salva o mundo. Ele é o que conseguiu encontrar o elixir da eterna juventude na dieta que inventou. Ele é o que confunde direitos individuais com ideologia. Ele é o que não acredita que o planeta está à beira da exaustão, nem na extinção das espécies pela ação humana. Ele é o que nega a ciência e a evolução, porque crê que apareceu na terra por ação divina. Enfim, ele é tudo o que a nossa imaginação nunca alcançaria se a realidade não no-lo escarrapachasse à frente dos olhos, sem que possamos fazer nada para não acontecer.
Porque nem conseguimos convencer alguém de que a realidade não valida qualquer dos seus argumentos, nem temos maneira de controlar a programação algorítmica do fenómeno. Vá lá alguém tentar explicar a um mentecapto que há 50 anos não havia SNS e que os que ele acusa de o quererem assassinar são, afinal, os que o promoveram e tentam defender. Vá lá alguém tentar contornar o algoritmo que depressa conclui que é quase impossível. Claro que a solução, para não termos de conviver com este lado mais negro da sociedade, poderia sempre passar por fechar os olhos, porém esta gente vota.
Vota e o que não falta é quem queira captar-lhes o voto para, precisamente, impedir que se possa continuar a votar. Intenção de que, de resto, há muito se desconfiava e as atuais tendências políticas dos partidos da direita – já não são só as da extrema-direita – dão, agora, em confirmar.
Perdida a vergonha, os partidos da direita começam agora a assumir que teremos de escolher entre prosperidade e democracia. Como para a maioria a primeira não existe sem a segunda, aguarda-se que, brevemente, definam quem, nesse seu ambicionado regime não democrático, tem e não tem direito a ser próspero. É que, embora, como muito bem se sabe, para esta gente, a da meritocracia e quejandas, a prosperidade seja para quem a merece, nunca se sabe se, por nos acharem merecedores, não nos contemplará também.
Seja como for, quanto à possibilidade de vermos o nosso futuro preponderantemente influenciado pela ignorância, ostensivamente exibida pelas redes sociais digitais e muito acarinhada pelo algoritmo, é que já poucas dúvidas restarão.

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