O canastro, o salto, a vergonha e a falta dela

Escrito por Jorge Noutel

Costuma dizer-se que a vingança serve-se fria, mas há alturas da vida em que tanto nos dá que seja quente, crua, amarga, picante, salgada, ou outra coisa qualquer! E quando falo de vingança não é no sentido literal, mas sim numa espécie de justiça divina, reparadora e esperançosa. Nós, cidadãos anónimos, temos de nos agarrar a qualquer coisa que nos faça sentir que ainda contamos. Esta é uma dessas alturas em que sinto que, afinal, alguns de nós, estão acima daqueles que nos governam. Ou que se governam, o que vai tantas vezes dar ao mesmo.
Não vos vou falar, de novo, das eleições europeias, da elevada abstenção, da crise da democracia que muitos dizem existir, ou de um sem fim de teorias sobre o que aconteceu ou deveria ter acontecido. Vou falar-vos apenas dos representantes eleitos e, para evitar repetições, reduzo a coisa a um que considero dos mais emblemáticos: Álvaro Amaro.
Álvaro Amaro é o expoente máximo dessa gente e encarna na perfeição a degradação a que chegou o nosso sistema político. Quando uma democracia confunde legalidade com ética, tudo aquilo a que de negativo assistimos já não é o problema, mas sim a consequência dele! Muitos de nós teriam uma vergonha imensa se fossemos constituídos arguidos num processo criminal e tivéssemos de pagar 40 mil euros para poder voltar para casa. Imaginem-se a tentar regressar incógnitos, a meter baixa médica por 30 dias para não terem de mostrar a cara a ninguém, a não atenderem o telefone, a passarem noites em branco, a pensarem no mal causado à família e nas explicações que teriam de dar aos amigos, a terem hipertensão, boca seca, bexiga irritável, falta de apetite, eu sei lá, imaginem a vossa vida num inferno!
Mas Álvaro Amaro, felizmente para ele, não parece sofrer de nenhuma destas comezinhas fraquezas. Não pertence ao universo provinciano dos homens, é imune a estados de alma e é sobretudo indiferente ao que lhe possa acontecer. Tiro-lhe o chapéu!
É precisa muita lata, depois de uma coisa destas, para ir calmamente tomar posse do seu lugar de eurodeputado, ademais afirmando que jamais usará das prerrogativas da imunidade parlamentar agarradas ao mesmo. Na minha forma de ver as coisas é como se eu fizesse uma patifaria a alguém e depois lhe dissesse para não se preocupar porque um dia o castigo divino se encarregaria de me levar deste mundo. Álvaro Amaro sabe que é uma questão de tempo até o Parlamento Europeu lhe retirar essa imunidade, a tal de que ele sabe por isso ser preferível dizer que abdica. Mas não toma a iniciativa de abdicar do cargo. Ou pelo menos de ser ele a pedir que lha retirem. Vai esperar pelos vários meses que a coisa vai demorar a acontecer, com todas as formalidades inerentes. Entretanto, o maior castigo será não poder falar com certas pessoas, coisa que se calhar nem precisavam de lhe proibir. Como diz o povo, quando uma castanha nos estoira nas mãos, largamo-la!
Álvaro Amaro vale por aquilo que representa. Faz parte de um sistema político que vive do arranjo floral das listas partidárias, da endogamia em que ex-deputados cedem o lugar às esposas, que propicia a rotação dos políticos pelos bem remunerados tachos na banca, empresas douradas e política, enfim, que consegue colocar no topo a pior nata das sociedades.
A esperança de um homem normal é que abaixo da nata estivesse algo mais transparente e menos mau para a saúde. Mas quando olho para o rasto deixado por Álvaro Amaro e para o outro processo no DIAP, em que também é arguido, juntamente com o atual presidente da Câmara da Guarda, Carlos Monteiro, o vereador da Cultura, Victor Amaral, e duas técnicas superiores da autarquia, apetece-me saltar da janela do terceiro andar aonde vivo! Mas depois lembro-me do que Sartre dizia sobre a vergonha: «A vergonha, isso passa quando a vida é longa». Fico-me ao perceber que só precisamos de resistir às primeiras mil tentações para saltar. Álvaro Amaro é, afinal, um campeão. Da resistência às tentações, entenda-se. Pelo menos daquelas que lhe podiam dar cabo do canastro…

Sobre o autor

Jorge Noutel

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