Mitocôndrias e Quasares de António Costa: A física que atravessa barreiras

Escrito por António Costa

O Prémio Nobel da Física de 2025 foi atribuído a John Clarke, Michel H. Devoret e John Martinis, pela demonstração de fenómenos quânticos em circuitos elétricos macroscópicos. O comité sueco destacou «a observação do efeito de túnel e da quantização de energia em sistemas supercondutores», um trabalho que consolidou as bases da eletrónica quântica moderna. Até há poucas décadas, acreditava-se que os efeitos da mecânica quântica, tais como o efeito de túnel, a superposição de estados ou a quantização de energia, apenas ocorriam num mundo das partículas subatómicas. Os laureados mostraram que é possível observar esses fenómenos em dispositivos construídos com materiais comuns, visíveis a olho nu e manipuláveis em laboratório.
O efeito de túnel descreve a capacidade de uma partícula “atravessar” uma barreira de energia que, segundo as leis clássicas, seria intransponível. Clark, Devoret e Martinis demonstraram que um circuito elétrico supercondutor pode comportar-se de modo semelhante. Utilizando junções Josephson, duas camadas de supercondutor separadas por uma barreira muito fina, mostraram que a corrente elétrica pode atravessar essa barreira sem dissipar energia.
Esses circuitos comportam-se como “átomos artificiais”, com níveis de energia bem definidos e a capacidade de mudar de estado de forma quantizada. A descoberta confirmou que sistemas compostos por milhares de milhões de partículas podem exibir propriedades tipicamente quânticas, até então restritas ao domínio atómico.
Os resultados destas investigações, iniciadas nas décadas de 80 e 90, abriram o caminho para o desenvolvimento dos processadores quânticos. Estes dispositivos utilizam unidades de informação, designadas por qubits, baseados nos circuitos supercondutores estudados pelos laureados. A sua capacidade para explorar estados de superposição e de coerência quântica permite executar cálculos de enorme complexidade em muito menos tempo do que os computadores convencionais.
Além da computação, as mesmas propriedades estão a ser aplicadas no desenvolvimento de sensores quânticos e sistemas de comunicação invioláveis, em que a deteção de qualquer tentativa de interação é garantida pelas próprias leis da física.
O Prémio Nobel da Física de 2025 reconhece não apenas uma descoberta fundamental, mas também a ponte que liga a física teórica à tecnologia aplicada. A possibilidade de controlar e medir sistemas quânticos à escala macroscópica tornou-se um dos pilares das atuais tecnologias quânticas emergentes, com impacto potencial na computação, na metrologia e nas telecomunicações.
O trabalho dos laureados exemplifica como a investigação base, muitas vezes sem aplicação imediata, pode gerar transformações profundas na ciência e na economia. Vários laboratórios e empresas de todo o mundo, incluindo centros europeus, desenvolvem hoje dispositivos que derivam diretamente das experiências premiadas.
Este Nobel reforça a importância do investimento continuado na ciência fundamental. O estudo do efeito de túnel e da quantização de energia começou como uma exploração puramente académica, motivada pela curiosidade em compreender melhor o comportamento da matéria. Décadas depois, os seus resultados sustentam uma nova geração de tecnologias com impacto global.

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