O Parlamento aprovou, na generalidade, uma lei que proíbe cobrir o rosto em público, o que abrange passa-montanhas, máscaras e burqas. Estas últimas são o verdadeiro problema e o facto de serem um problema é que justifica eu entender ser esta lei um puro ato de hipocrisia. Em primeiro lugar, o ato de legislar deve dirigir-se a problemas prementes da sociedade. Em Portugal precisamos de resolver urgentemente muitos problemas, como sendo o da habitação, o do envelhecimento da população ou o dos desafios trazidos pelas alterações climáticas. O uso de burqas não diz nada à maioria da população e a maior parte dos portugueses nunca se cruzou com uma, sequer. Este ano vi uma em Barcelona e nenhuma em Portugal (e almocei na semana passada no Martim Moniz). Esta lei, por isso, não passa de um regresso, agora pela direita, às causas e “causinhas” do Bloco de Esquerda.
Esta lei seria inofensiva, ou até estimável, atendendo a que ninguém no mundo civilizado defende o uso de burqas e estas são apenas mais uma manifestação de como certas vertentes do Islão tratam as mulheres como coisas. O problema, para além da sua ineficácia, já que as mulheres que as usam vão passar a ficar em casa, como se em prisão domiciliária, o problema é que o seu verdadeiro fundamento é o ataque aos muçulmanos no âmbito do ataque geral contra os imigrantes. O que Ventura pretende verdadeiramente é tornar Portugal inóspito para imigrantes que professem o Islão (e por isso referiu que a seguir irá atrás do próprio culto) e, já agora, para os imigrantes em geral.
Outra etapa nessa estratégia foi a alteração à Lei de Estrangeiros, em que se dificulta o reagrupamento familiar e se limita a chegada de novos imigrantes aos que vierem com contrato de trabalho para profissões altamente qualificadas, ou a Lei da Nacionalidade, em que se ampliam os prazos necessários para poder ser requerida e se prevê a perda da nacionalidade adquirida por naturalização para quem pratique crimes graves, embora neste caso por alteração à lei penal.
Não é, por isso, por motivos nobres, ou de proteção dos nossos valores civilizacionais, que se legislou para proibir as burqas. Foi antes por motivos mesquinhos e num exercício de refinada hipocrisia.
Entretanto, no país real, os lares, os restaurantes, a construção civil, a agricultura e muitos outros setores debatem-se com falta de mão-de-obra. Há lares no distrito da Guarda, contam-me, em que trabalhadores não são despedidos, apesar de faltas graves, porque não há quem os substitua. Os doutores e engenheiros que as alterações à lei pretendem atrair para Portugal não serão necessários se derem condições condignas aos nossos jovens, da geração mais qualificada de sempre, a quem foi no tempo da “troika” indicado o caminho do estrangeiro.
Ainda me lembro do tempo em que os estudantes franceses, no Maio de 1968, gritavam nas ruas que “é proibido proibir”. Era uma piada, mas a frase tinha um fundo de verdade. A lei deve tratar de direitos e só deve proibir o que é necessário para podermos continuar a viver em sociedade.


