Jardins (às vezes) plantados

Escrito por Fidélia Pissarra

Após década e meia, os canteiros à frente da minha porta foram finalmente relvados. Tiraram as ervas, montaram a rega automática, estenderam umas passadeiras de relva e ficaram uns belos canteiros relvados. Uma ou duas vezes por mês vinham apará-los e esta beleza manteve-se até ao início deste verão. Agora, como vim a saber, por dificuldades de acertar com as regras de contratação pública, onde ainda há relva formam-se tufos da altura do meu cão e onde não há proliferam as daninhas de antigamente. Sendo um bocadinho dada a manias, fui-me espreitar o resto da jardinaria urbana. Confirmava-se: aquilo era mesmo falta de jardineiros. Falta de jardineiros das empresas de jardinagem, mas, principalmente, falta de jardineiros da Câmara Municipal que, não sei porquê, me parece função aí já muito extinguida. Coisa que me deixou a matutar: será que o preço da adjudicação dos serviços de manutenção das áreas verdes não seria melhor empregue na contratação de, sei lá, para aí uns 25 jardineiros, mais um ou dois técnicos camarários? Se desse, o que não me parece estapafúrdio de todo, sempre eram entre 25 e 30 empregos. Empregos que de certeza que as tais ditas empresas de jardinagem não estão dispostas a criar. Primeiro, porque não tenho a certeza que a mão de obra, ou a mão de obra mais qualificada, seja recrutada localmente, já que essas empresas tendem a ser de outros sítios. Segundo, porque, mesmo que o seja, é sempre emprego precário e pior remunerado, uma vez que as empresas recrutarão se, e só se, ganharem os respetivos concursos. Isto parece-me tanto mais irónico, quanto mais me lembro dos incontornáveis pregões, “criação de postos de trabalho” e, consequentemente, “fixação da população”, de quem a Guarda elegeu para a governar.
Por outro lado, se calhar, até nem é ironia nenhuma e tudo não passa de uma engenharia do recrutamento, porque lá que se criam postos de trabalho criam. Se é cá ou noutro lado e se isso contribui para fixar eleitores é que já ninguém poderá afiançar. Se são postos de trabalho efetivos e estáveis muito menos. Eu, se fosse aos eleitos, aos que ficam desempregados entre contratos e no fim dos contratos, caso cá residam, tratava era de os contratar para vigilantes da locomotiva que está para chegar. Conhecendo a veia de vândalos, já por demais revelada na destruição do mobiliário urbano, monumentos e património comum e privado, duma certa juventude, ou pretensa juventude guardense, antevejo grandes manifestações da mesma nas boas vindas ao bom do comboio. Desde logo, porque até se poderão gabar de ter grafitado um comboio sem ter corrido os riscos que isso costuma envolver. E depois, como todos sabemos, a estética vigente parece estar sempre em contradição com a da tal juventude (se é que a destruição tem estética alguma). E só no caso de eles não aceitarem, o que era muito melhor, porque enquanto iam olhando por aquilo, sempre iam tratando das plantas à volta, é que me despachava a abrir um concurso para uma empresa de vigilância privada lá pôr alguém de guarda da rotunda, ou do comboio na rotunda, ou uma função assim parecida, pronto. Porque isto de andar a gastar dinheiro com bibelots que, invariavelmente, acabam em cacos também já cansa. Mais valia escaqueirar logo o dinheiro e não se falava mais nisso.

Sobre o autor

Fidélia Pissarra

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