Sociedade

Álvaro Amaro quer «esclarecer tudo» na operação “Rota Final”

Escrito por Luís Martins

O antigo presidente da Câmara da Guarda é um dos cinco arguidos da operação “Rota Final”, sobre um alegado esquema fraudulento de viciação de procedimentos de contratação pública no setor dos transportes escolares. Álvaro Amaro garante que «jamais» usará «qualquer estatuto» para não colaborar com a justiça.

Álvaro Amaro vai tomar posse como eurodeputado a 2 de julho mas abdicará da imunidade parlamentar para colaborar com a justiça na operação “Rota Final”, sobre um alegado esquema fraudulento de viciação de procedimentos de contratação pública, de que é um dos cinco arguidos. Em declarações a O INTERIOR, o ex-autarca da Guarda afirmou que quer «esclarecer tudo até ao mais ínfimo pormenor» e que «jamais» usará «qualquer estatuto» para não o poder fazer.
«Estou tranquilo. O que quero é que tudo fique claro, só quem não me conhece é que poderia pensar que eu me valeria de qualquer estatuto para não colaborar com a justiça», disse Álvaro Amaro, declinando prestar mais declarações. «Ninguém imagina o que dói não poder falar neste momento», desabafou o também vice-presidente do PSD na segunda-feira. Cinco dias antes, o dirigente foi obrigado a regressar a Portugal vindo de San Sebastián (Espanha), onde participava na primeira reunião do Partido Popular Europeu após as eleições de 26 de maio. O motivo era a operação “Rota Final” e as 50 buscas da Polícia Judiciária (PJ) em 18 autarquias, entre as quais as da Guarda, Almeida, Belmonte, Fundão e Pinhel, e nos escritórios da Transdev, nomeadamente em Matosinhos e Castelo Branco. Em causa estava a suspeita de práticas de corrupção, tráfico de influências, participação económica em negócio, prevaricação e abuso de poder no setor dos transportes coletivos de passageiros e escolares.
Os inspetores procuravam documentos e os contratos celebrados por ajuste direto com a transportadora nas diferentes autarquias, apreenderam cartões de telemóveis a vários eleitos – entre os quais Álvaro Amaro, Carlos Chaves Monteiro, na Guarda, e António Machado, em Almeida –, e realizaram buscas domiciliárias, nomeadamente à casa do antigo edil guardense em Coimbra. A PJ teve também acesso a todos os computadores e equipamento informático dos serviços municipais envolvidos. Na altura, conforme noticiou O INTERIOR (ver última edição), a Judiciária suspeitava que, «mediante atuação concertada de quadros dirigentes de empresa de transporte público, de grande implementação em território nacional, com intervenção de ex-autarcas a título de consultores, beneficiando dos conhecimentos destes, terão sido influenciadas decisões a nível autárquico com favorecimento na celebração de contratos públicos de prestação de serviços de transporte, excluindo-se das regras de concorrência, atribuição de compensação financeira indevida e prejuízo para o erário público. Também no recrutamento de funcionários se terão verificado situações de favorecimento».
Ao final do dia, a Procuradoria-Geral Distrital de Coimbra emitiu uma nota a confirmar que a investigação titulada pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) daquela cidade visava «esclarecer os termos em que o Grupo Transdev obteve contratos e compensações financeiras com autarquias das zonas Norte e Centro do país. O inquérito encontra-se em segredo de justiça e as investigações prosseguem na Polícia Judiciária». A operação está a cargo da Diretoria do Norte da PJ, que contou com o apoio de vários Departamentos de Investigação Criminal, entre os quais o da Guarda, e da Diretoria do Centro. Na quarta-feira 200 elementos da Judiciária – inspetores, peritos informáticos, peritos financeiros e contabilísticos – realizaram 50 buscas domiciliárias e não domiciliárias, em autarquias, entidades públicas e empresas, relacionadas com «a existência de um esquema fraudulento da viciação de procedimentos de contratação pública com vista a favorecer pessoas singulares e coletivas», adianta a Judiciária em comunicado.

Cinco arguidos até agora

A investigação a esta alegada rede de favores concertada entre quadros da Transdev e ex-autarcas foi iniciada em 2017.
Em causa estará a celebração de ajustes diretos com a empresa sedeada em Matosinhos e que domina o setor do transporte de passageiros no Norte e Centro do país. Segundo a informação disponível no Portal Base, de informação sobre a contratação pública, entre 2013 e abril deste ano, o executivo liderado por Álvaro Amaro, que suspendeu funções nessa altura para concorrer ao Parlamento Europeu, assinou contratos de mais de 774 mil euros com empresas da Transdev, sendo os ajustes diretos justificados com a «ausência de recursos próprios».
Além de Álvaro Amaro, os restantes arguidos da operação “Rota Final” são Francisco Lopes, ex-presidente da Câmara de Lamego, Hernâni Almeida, antigo autarca do município de Armamar, um funicário da Câmara de Lamego e um administrador do Grupo Transdev. Na semana passada a PJ esteve nas autarquias de Águeda, Almeida, Armamar, Barcelos, Belmonte, Braga, Cinfães, Fundão, Guarda, Lamego, Moimenta da Beira, Oleiros, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, Pinhel, Sertã, Soure e Tarouca.

Câmara da Guarda esclarece que «nenhum colaborador ou eleito em exercício» foi constituído arguido

A Câmara Municipal da Guarda esclareceu na quarta-feira que «nenhum dos colaboradores ou eleitos em exercício» na autarquia foram constituídos arguidos nas buscas realizadas pela Polícia Judiciária (PJ), no âmbito da operação “Rota Final”.
O presidente da autarquia, Carlos Chaves Monteiro, confirmou, em comunicado, que nessa manhã a Câmara Municipal «foi objeto de buscas nas suas instalações por parte de agentes da PJ, no processo de inquérito que corre termos na Procuradoria da República da Comarca de Coimbra». «No âmbito destas buscas foi solicitado pela PJ um exame e a consulta de um conjunto de processos relativos à contratação de serviços, nomeadamente de transportes», lê-se no documento. O edil adianta que «o município prestou a necessária e a adequada colaboração com vista ao cabal esclarecimento da verdade nos presentes autos».

Autarquias do Fundão e Belmonte confirmam buscas

A Câmara do Fundão confirmou que foi alvo de buscas por parte das autoridades judiciárias e mostrou-se convicta de que as dúvidas ficaram «cabalmente dissipadas e esclarecidas».
«A autarquia está convicta de que as dúvidas que trouxeram esta investigação ao Fundão ficaram cabalmente dissipadas e esclarecidas», refere o município em comunicado. A nota começa por confirmar que a autarquia «foi alvo de buscas por parte das autoridades judiciárias, durante a manhã» do passado dia 12. Também o município de Belmonte confirmou, em comunicado, a presença no mesmo dia de uma equipa da PJ no município, que «solicitou documentação variada, tendo recebido toda a colaboração do presidente da Câmara e funcionários. Segundo o município, esta ação decorreu no seguimento de uma operação «mais vasta», que envolveu várias autarquias do país, «A reunião decorreu dentro da normalidade», lê-se no documento.

Rui Ventura diz que «não é corrupto, nem quer estar associado a tal conotação»

«Não somos corruptos, nem queremos estar associados a tal conotação», reagiu Rui Ventura, presidente da Câmara de Pinhel, à operação “Rota Final” realizada pela Polícia Judiciária (PJ) na quarta-feira.
Em comunicado enviado a O INTERIOR dois dias depois, o autarca considera que o nome da Câmara de Pinhel foi envolvido «de forma abusiva» no caso e esclarece que «as relações contratuais que o município mantém com a Transdev encontram-se devidamente enquadradas nos procedimentos legais em vigor». Rui Ventura acrescenta que desde a sua toma de posse, a 9 de outubro de 2013, «os valores dos contratos de transportes escolares foram reduzidos em 145,860 euros» e que a autarquia atuou «sempre com transparência e rigor, na defesa do interesse público e dos cidadãos deste concelho».
«A correção e transparência nos procedimentos deixam-nos tranquilos e motivados, como sempre, para continuar a trabalhar em prol do desenvolvimento das pessoas e do concelho de Pinhel», conclui o edil, dizendo-se disponível para «qualquer esclarecimento suplementar dos munícipes ou de quem estiver interessado».

Concelhia do PSD aguarda «esclarecimento cabal e célere» dos processos judiciais que envolvem Câmara da Guarda

A concelhia do PSD da Guarda aguarda o «esclarecimento cabal» e «célere» dos processos judiciais que envolvem a autarquia, de maioria social-democrata, e manifesta solidariedade ao ex-presidente Álvaro Amaro, ao atual, Carlos Chaves Monteiro, e aos demais eleitos.
«Encaramos a presente situação com surpresa e como algo que obviamente não desejaríamos estar a viver», escreve o líder secção local, Tiago Gonçalves, em comunicado divulgado na quinta-feira após as notícias sobre processos judiciais que envolvem a autarquia. A estrutura social-democrata guardense deseja «profundamente que o esclarecimento cabal destas situações e o apuramento da verdade ocorra de modo célere e sem margem para quaisquer dúvidas», sublinhando que «confiamos no caráter e honestidade política e pessoal de cada um deles e acreditamos que, em devido tempo, se fará luz sobre estes factos, sendo certo que não é nesta sede que cabe contestá-los e sim, apenas e tão só, em sede judicial. A concelhia refere igualmente que «este não é, também, o momento para se tirar ilações políticas de factos respeitantes a processos judiciais» e reitera que o projeto político «amplamente sufragado nas eleições de 2017 mantém-se atual». O dirigente termina o comunicado dizendo que o PSD repudia «qualquer tentativa de julgamento público antecipado, tendo sempre presente o princípio da presunção de inocência».

Estatuto de imunidade parlamentar no PE

De acordo com o Parlamento Europeu (PE), o estatuto de imunidade parlamentar «não é um privilégio pessoal do deputado, mas uma garantia de que um deputado ao Parlamento Europeu pode exercer livremente o seu mandato e não pode ser exposto a perseguições políticas arbitrárias».
«Os deputados ao Parlamento Europeu não podem ser alvo de qualquer forma de inquérito, detenção ou processo judicial pelas opiniões emitidas ou pelos votos expressos na sua qualidade de deputados», lê-se no site do PE, que diferencia duas vertentes na imunidade dos deputados europeus, sendo aplicável no território do Estado-Membro de origem e no território de qualquer outro Estado-Membro. A imunidade parlamentar pode ser levantada «na sequência de um pedido das autoridades nacionais competentes ao Parlamento Europeu» ou «de um pedido de um deputado ou antigo deputado para que a sua imunidade seja defendida».

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Luís Martins

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