Opinião de Pedro Fonseca: Fórmula 51

Escrito por Pedro Fonseca

O ano de 1991 tinha tudo para ser um ano de boa memória para o Ocidente. Venceu a Guerra Fria e a democracia liberal era agora vista como o modelo de futuro pelos novos líderes dos países do Leste Europeu.
A seu tempo, a UE e a NATO souberam integrar muitos dos países do antigo Bloco Socialista, incluindo alguns que pertenceram à URSS. No entanto, a Rússia nunca foi considerada. Boris Ieltsin, o grande protagonista do fim do regime soviético, deixou clara a sua vontade de ocidentalizar o país, manifestando a intenção de aderir à NATO e de integrar a União Europeia.
Um eventual processo de adesão à UE traria consigo, entre outros avanços, uma democratização mais profunda, a afirmação de um Estado de Direito e a promoção de uma economia de mercado livre da influência dos oligarcas. Se tivesse sido esse o caminho, teria sido muito mais difícil a ascensão de um líder autoritário como Putin. Mas as aspirações de Ieltsin nunca foram atendidas.
A UE, em particular, parece ter-se esquecido da sua própria fórmula fundacional de 1951: a melhor forma de evitar que países com um histórico recente de conflito voltem a hostilizar-se é colocá-los a cooperar economicamente. Foi este princípio que presidiu à criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – o ponto de partida da longa caminhada que culminaria na constituição da CEE.
Volvidos quase 75 anos, a fórmula de 1951 continua a ser a única solução realista de que a Europa dispõe para garantir uma paz duradoura com a Rússia. Se, no dia de amanhã, a UE e a Rússia criassem uma plataforma de cooperação no domínio da produção e distribuição de energia, ficaríamos mais longe ou mais perto de um clima de paz durável? A que distância ficaríamos se essa nova parceria incluísse também a Ucrânia e outros países do Leste Europeu que não integram a UE?
É importante não confundir a árvore com a floresta, ou seja, Putin com a Rússia. Fruto da alteração constitucional de 2020, o atual presidente assegurou a possibilidade de continuar no cargo até 2036. Daí em diante, poderá reativar um processo de alternância controlada – semelhante ao que manteve com Medvedev – para exercer o poder de forma vitalícia. Um dia, porém, alguém terá de lhe suceder.
Nessa altura, quanto melhor for a imagem do Ocidente junto da população russa, maiores serão as probabilidades de surgir uma alternativa disposta a retomar o projeto de ocidentalização do país. A proximidade gerada por uma cooperação económica estável seria, por isso, um elemento fundamental para a construção dessa imagem positiva.
A alternativa é insistir na atual posição da maioria dos Estados-Membros da UE. Esta abordagem já demonstrou ser não só inconsequente, como também verdadeiramente contraproducente. Os sucessivos pacotes de sanções à Rússia, longe de asfixiarem a sua economia, apenas promoveram uma maior aproximação aos seus parceiros asiáticos, aprofundando ainda mais o afastamento em relação ao Ocidente. Já o apoio ao esforço de guerra da Ucrânia revelar-se-á infrutífero se o país acabar por ceder os territórios reclamados pela Rússia e ficar impedido de aderir à NATO.
A confirmar-se este cenário, o acordo de paz será, na prática, uma declaração de vitória para Putin. O tempo dirá se não funcionará também como um salvo-conduto para levar a cabo ações semelhantes noutros países da Europa de Leste.

* pedrorgfonseca@gmail.com

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