Opinião de Frederico Lucas: Álvaro Laborinho Lúcio, o Homem que não cabia nos títulos

Escrito por Frederico Lucas

Recordo um gesto silencioso que mudou o destino de uma criança e revelou a dimensão humana de quem nunca precisou de aplausos para fazer justiça.
Faleceu na passada semana Álvaro Laborinho Lúcio, Juiz Desembargador, político e homem de uma lucidez rara. Conheci-o em setembro de 2010, em Cinfães, durante uma mesa-redonda realizada na Escola C+S local, dedicada às perspetivas sociais e profissionais dos jovens. Era um tempo conturbado: o mundo vivia o abalo das dívidas soberanas e a incerteza instalava-se em todos os setores.
Um arrefecimento súbito da economia afeta a valorização das grandes fortunas, mas, para quem já era pobre, retira a sopa da mesa. Era essa a consequência que se temia e sobre a qual Laborinho Lúcio refletia com a serenidade de quem sabia escutar antes de julgar.
Já então ex-ministro e figura amplamente reconhecida, interrompeu o moderador no momento da sua apresentação para dizer, com ironia desarmante, que até ele próprio teria dúvidas se a sua biografia não fosse, no fundo, o seu cadastro. Dito por um juiz, não deixa de ter graça, e revelava o sentido de humor de quem compreendia a fragilidade humana com empatia.
Nessa conferência, Laborinho Lúcio lançou uma ideia que, à época, me intrigou: a criação da figura de “Pai Social”. Temendo que se tratasse de uma reinvenção do antigo “Chefe de Aldeia”, perguntei-lhe o que tal papel implicaria. Respondeu, simples e direto: «Representar os encarregados de educação ausentes da escola».
A ausência dos pais na vida escolar dos filhos já era, então, um problema sério. Só mais tarde compreendi a profundidade da proposta e a sua atualidade.
Meses depois, em maio do ano seguinte, fui informado sobre a agressão sexual de quatro colegas a uma menina, na Escola Secundária Gonçalo Anes Bandarra, em Trancoso. Nunca soube os nomes, nem dos agressores, nem da vítima. Apenas que a menina deixara de ir à escola, tomada pelo medo. O pai emigrado, a mãe sem forças para gerir o turbilhão emocional.
Procurei ajuda. A direção da escola escusou-se, alegando que o crime acontecera fora do recinto. A GNR desvalorizou o alerta por eu não conhecer os nomes dos envolvidos. Foi então que voltei a contactar Laborinho Lúcio.
Explicou-me que caberia ao Ministério Público conduzir o processo e assegurou-me que trataria do assunto. Dois dias depois, os agressores foram transferidos para outra instituição de ensino, fora da região, e a menina pôde regressar à escola. Todos compreenderam, nesse dia, que aquele tipo de crime passara a ter consequências imediatas.
Nunca lhe agradeci. Nem teria deixado. A vítima, a família e a comunidade escolar nunca souberam do seu papel, e talvez assim devesse ser. Mas todos, sem o saber, ficaram-lhe gratos.
Porque Laborinho Lúcio não precisava de aplausos. Precisava apenas que a justiça acontecesse.
Perdemos um Homem que fará muita falta.

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Frederico Lucas

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