Observatório de Ornitorrincos de Nuno Amaral Jerónimo: Viquinguices

Na última semana e meia, passei vários dias em cada uma das capitais da Letónia, da Estónia e da Dinamarca. Em comum, estas cidades têm ligações históricas à Liga Hanseática, vizinhos que os aborrecem, costas no mar Báltico, um frio que faz arrepiar pelinhos que ainda não cresceram, preços exorbitantes e altos índices de felicidade lá numa escala qualquer que aparece no Facebook das outras pessoas.
Ora, cada uma das características enumeradas devia, precisamente, contribuir para índices de infelicidade significativos. Russos e alemães sempre a rosnar (na Estónia até experimentaram o sistema de sirenes de guerra, só para estarem prevenidos), um ventinho vindo do mar capaz de congelar o pingo do nariz, 22 euros por um cappuccino, duas fatias de pão e três de queijo não me parece que sejam motivos para o povo andar permanentemente satisfeito.
Dizem na Dinamarca que é “hygge”, ou lá o que é. Realmente, sente-se um bocadinho de “hygge” quando se entra em qualquer edifício – às vezes até em ruas mais apertadas onde o vento não bate – depois da frioleira da rua. Em certos momentos, nos mercados de Natal, o meu horror a multidões transformou-se num “hygge” do género, “olha, estes apertões acabam por ser aconchegantes”.
Pode dizer o leitor macho mais carrascão que é por causa das loiras. Mas as mulheres também contribuem para o índice de felicidade, e não acredito que todas sejam mais felizes por as outras também serem loiras. Na verdade, seria mais uma razão para serem infelizes. Será por todos terem olhos azuis, principalmente na Estónia, onde é, na prática, a cor oficial dos olhos e da bandeira?
Por falar em bandeira, há um relato histórico que liga Talin a Copenhaga: parece que um rei dinamarquês andava em bolandas lá para leste, e que um dia, precisamente em Talin, lhe caiu em cima um pano vermelho com uma cruz branca. O homem achou que aquilo daria uma boa flanela, levou para casa, ainda hoje é a bandeira do Reino da Dinamarca.
Vim de lá sem saber o que faz aquela gente tão contentinha, e a nossa gente tão amarguinha, com preços tão baratos, com vizinhos tão afáveis, com Invernos tão amenos.
Mas confesso ao leitor que voltei desta viagem com uma decepção: fui à Dinamarca, mas ainda não foi desta que vi o Hamlet ao vivo.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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