Não, não vou falar de Marx. Vou antes tentar perceber qual o motivo das historietas guardenses se repetirem. Por farsa? Por tragédia? Porque somos poucos? Porque não temos poder reivindicativo? Porque não temos residentes competentes para nos representarem ou simplesmente porque o ditame estatutário dá o poder aos “big-bosses” partidários de imporem gente que pouco ou nada percebe deste interior profundo, arrebanham os votos e vão repousar o traseiro confortavelmente na poltrona de S. Bento, pouco lhes interessando ou importando os desafios/problemas do círculo por onde foram eleitos, fazendo posteriormente a vontade política ao seu partido, quais “yes man’s” e “woman’s”, sendo que no fim do mês contabilizam mais uns cinco mil e muitos. Desculpem lá… mas qualquer coisa não anda bem nos reinos da Dinamarca.
Em março de 2015, escrevi nas páginas deste jornal o texto que se segue. Hoje republicado, com pequeníssimas alterações, ajustadas aos tempos que correm. Passados dez anos o mesmo mantem toda a sua actualidade. Até parece que, por cá, o tempo não passa.
Portugal é definido constitucionalmente como um Estado unitário, onde os seus naturais, sejam eles de Lisboa, Porto, Bragança, Vila Real, Guarda ou Caldas da Rainha, gozam dos mesmos direitos não ficando impedidos de exercer em pleno a sua cidadania.
No entanto, o povo, na sua sábia e douta sabedoria, sempre vai acrescentando “Cada terra com seu uso. Cada roca com seu fuso” e se “para cá do Marão mandam os que cá estão”, falemos, como Torga o fez, do reino maravilhoso, pois embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos. Para lá do Marão mandam todos. Todos e, cada vez menos os seus e é aí que sentimos «o tal calafrio onde a vista alarga-se de ânsia e assombro para percebermos que Penedo falou? E de nada serve interrogar o grande oceano megalítico porque o nume invisível ordena: Entra!!!».
E eles entram. Alguns sem pedirem licença. Sem baterem à porta. Com a permissividade e promiscuidade conhecida e a conivência de quem tem o poder, onde facilmente se entende o princípio, o objetivo e a ordem (pré) estabelecida, usando e abusando do coração de manteiga dos seus naturais. E eles entraram e entram. Por terra, por ar. De carro, de comboio, de autocarro, de mota e até de trotineta, alguns saltando de pára-quedas, em barra extrativa ou mesmo de peito feito, em verdadeira queda livre. Mesmo sem conhecerem o terreno. Uns utilizando o estatuto de “nascidos cá”, outros nem por isso e ainda outros conhecedores apenas da visualização do simulador ou do mapa Michelin, nesse ponto incrustado no contraforte da Serra da Estrela, utilizando, insistentemente o GPS da viatura. Querem nomes? Pois eles aí vão:
Miller Guerra, Almeida Santos, Arménio Matias, Veiga Simão, Luís Barbosa, Fernando Cardote, Pina Moura, António Vitorino, Vasco Valdez, Francisco Assis, Miguel Frasquilho, Paulo Campos, António José Seguro, Manuel Meirinho. Apenas é exceção Ana Mendes Godinho, que, depois de eleita, foi presença constante nesta terra, mas… como todos sabemos a exceção completa a regra e neste preciso momento olhamos para a passerelle da oportunidade:
Pelo escarro que a democracia deixou parir, o repetente, que ninguém durante um ano deu por ele e 99,9999% dos eleitores e instituições não conhecem, um tal Simões de Melo, que é dos lados de Lisboa e, pasme-se, para dourar ainda mais a pílula, o roseiral repisa a façanha ao apresentar mais uma paraquedista, candidata à poltrona, de seu nome, Aida Carvalho, que os mesmos 99,9999% dos eleitores e instituições desconhecem e mesmo em Foz Côa, onde a senhora atualmente exerce profissão, a percentagem de fozcoenses que não sabe quem é mantem-se precisamente a mesma… Haja Deus e… já agora não esqueçamos a presença de mais uns tantos em comissões instaladoras e serviços descentralizados do Estado (nos últimos anos destaque para a ULS).
Se isto não é um hino à nossa permissividade e fragilidade intelectual, o que será?
Vem aí as eleições. Deixemos de ser queixinhas e habituemo-nos que a promessa virá, como sempre e sempre com o seu molho. As costeletas de uma pulga e o coração de um piolho.
Será que teremos de pedir emprestada a ilha das Galinhas, levando para lá o cenáculo e encenando formas de intervenção e protagonismo, a começar, desde logo, pelo programa político e a necessária forca para alguns se dependurarem, embrulhados que estão nesta folha de jornal, ficando tão pouco retratados neste pequeno texto das “Farpas” «desconfiados, os de Viana, é natural. Desavindos entre si, não. Dizem-me que não há terra de menos intriga do que esta e facilmente o creio perante a leitura dos seus periódicos, nos quais, durante oito dias consecutivos que os li, não descompôs ninguém».
Como beirão que sou, depois de ver uma pré-campanha e uma campanha onde a pobreza de ideias e propostas dos protagonistas é mais que muita, resta-me apenas continuar por cá e, tal como Eça: vou fazer deste canto de boa vontade o lugar privilegiado para assistir às últimas agonias do pensamento em Portugal.
Mesmo assim, caro leitor, convém lá ir, convém votar. Para que outros não decidam o nosso futuro.