Sociedade

«Não tenho, mas amanhã já há»

*Hoje, na RTP1 e na RTP Internacional no programa “Portugal em Direto”, entre as 18 e as 19 horas (com atraso motivado pelas festividades de Natal e fim de ano), não deixe de ver a reportagem com o mais antigo comerciante da região no ativo, António Tibúrcio Lopes

Aos 85 anos de idade, António Tibúrcio Lopes levanta-se todos os dias às seis da manhã e às nove em ponto abre a sua loja em Vila Franca das Naves (Trancoso). Apesar da idade provecta, o comerciante «não se atrasa nem deixa a clientela à espera», como diz Celeste Madeira, uma vizinha e cliente que o conhece «de sempre».
Nasceu em Sebadelhe da Serra, em 1933, e começou a trabalhar aos 11 anos ao balcão da mercearia do padrinho – «fiz exame da quarta classe numa quinta-feira e no sábado estava ao balcão», recorda. Aos 16 anos, o padrinho mandou-o para Vila Franca das Naves onde abriu uma nova mercearia. Foi nesta vila que António Tibúrcio Lopes se fez homem e comerciante reconhecido. Com o “patrocínio” do padrinho e a «vontade férrea de vencer na vida», o “senhor Lopes”, como é conhecido entre os fregueses, leva 70 anos atrás do balcão, todos os dias, na mais atípica, anacrónica e polivalente loja de comércio tradicional da localidade. Na mercearia do senhor Lopes podemos encontrar batatas e legumes produzidos «na terra», o queijo da vila, miudezas, garrafas de lixivia amontoadas ao lado dos tapetes e das malhas para «as senhoras».
No meio da desordem, o comerciante encontra tudo o que os seus habituais clientes procuram, das tripas para os enchidos em época de matança à pedra para afiar a gadanha, porque «ainda há quem precise de comprar estas coisas», garante o senhor Lopes. «Ali tenho feijão papo-de-rola, feijão catarino, feijão frade, grão-de-bico, tremoço seco e alhos, que compro aos agricultores», aponta. Estes produtos estão lado a lado com os detergentes, os pijamas ou as garrafas de refrigerantes e dos sumos. Na loja do senhor Lopes «há de tudo, como na farmácia», sublinha a freguesa Maria dos Remédios. «Como na farmácia não, que aqui há de tudo e na farmácia não», corrige outro cliente, ao fundo da loja, enquanto pede uma caixa de Omo e uma vassoura. E quando falta alguma coisa, António Lopes informa que «não há, mas amanhã já tenho» porque aqui não se pode perder um cliente mesmo quando o pedido não faz parte da habitual e vasta oferta de produtos da casa.
Empreendedor, António Lopes teve também uma agência de viagens na localidade, «nos anos setenta e oitenta», e vendeu «muitos bilhetes para o Brasil e para a França, nos tempos da pobreza e da emigração». Este negócio fechou «há alguns anos porque agora compram-se os bilhetes na Internet», justifica. Multifacetado, o comerciante foi também autarca: «Fui o primeiro presidente da Junta eleito depois do 25 de abril e vereador da Câmara de Trancoso nesse tempo», recorda o octogenário. Deixou a política ao fim de dois mandatos desiludido e angustiado, pois «uma pessoa não pode andar a prometer e depois não cumprir», considera António Lopes, que exemplifica com «uma rua que que prometemos e nunca foi feita». Além disso, acrescenta, «o presidente da Câmara dizia-me uma coisa e fazia outra».
Hoje, quase a fazer 86 anos – em abril –, o lojista continua «de manhã à noite» no seu comércio e ainda tem tempo para o Rancho Folclórico, de que é um dos mais entusiastas – e quando se lhe pergunta se ainda dança, a resposta é imediata: «Não havia de dançar?». Sempre em grande agitação entre a desordem da mercearia, António Lopes explica que o filho «é cardiologista em Coimbra» e a filha tem «uma galeria de arte no Porto». Apesar da idade, não «dá confiança» aos médicos: «Tenho uns 11 médicos na família, mas não me tratam da saúde, não preciso. Há tempos fui operado à anca, foi o meu neto que me arranjou um colega, porque não é a especialidade dele, mais nada!», revela.
Com a família longe de Vila Franca das Naves, o comerciante fecha a porta quando precisa «mas é raro», porque aquele que é porventura o mais antigo comerciante do país no ativo, sozinho, continua a abrir a loja todos os dias entre as nove da manhã e as sete da tarde.

Sobre o autor

Ana Eugénia Inácio

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