Cara a Cara

«Quero ser um pastor com cheiro a ovelha e não um bispo de gabinete»

Foto Bispo
Escrito por ointerior

P – Um mês depois de assumir a liderança da diocese, que perceção tem deste território, com uma população estimada em mais de 230 mil habitantes? Encontrou o que estava à espera ou deparou-se com outra realidade?
R – Não trazia propriamente um filme sobre o que vinha encontrar. No entanto, posso dizer que há duas coisas que me provocaram um bocadinho e temos que agarrar. Primeiro, uma capacidade de potenciar cada vez mais uma Igreja onde todos assumem responsabilidade, cada um na sua parte, mas uma responsabilidade conjunta. Este processo sinodal que o Papa Francisco propôs, sinto que é muito necessário aqui. Muitas vezes as pessoas estão à espera que o bispo ou padre decidam, como se tudo tivesse de passar por eles. Acho que temos de reaprender tudo isto. Outra situação é que, quando não estamos de acordo, quando há dissensões, preferimos primeiro os caminhos da fé aos caminhos do mundo. Às vezes é-nos mais fácil fazer barulho, partir para a desavença, recorrer às instâncias externas para vir resolver aquilo que não somos capazes de ultrapassar. Acho que temos de fazer algum caminho para nos entendermos como irmãos e resolvermos as coisas com alegria e fraternamente. Vale o que vale, estou na diocese há um mês, mas são dois traços que vou sentindo como atenções que precisamos de ter.

P – Na tomada de posse, disse que pretende ser um bispo de proximidade. O que significa?
R – Quero ser um pastor com cheiro a ovelha. Não quero ser um pastor de gabinete. Toda a minha vida de padre acompanhei pessoas. Quero ser um bispo de proximidade, ao qual as pessoas podem recorrer. Para ouvir as suas expetativas e anseios, para resolver este ou aquele problema, mas sobretudo para caminharmos a partir do que Deus quer de nós. Serei um bispo que vai às comunidades, que recebe as pessoas no Paço, que está presente e que participa.

P – Atualmente é impossível distribuir um padre por cada aldeia. A falta de padres é uma realidade. Há uma receita para ultrapassar este problema?
R – A Liga dos Cervos de Jesus, que foi uma realidade eclesial muito importante, está hoje com números muito reduzidos, tal como os seminários desta diocese, que exportaram seminaristas para muitas outras dioceses. Há também a realidade de uma diocese com uma faixa etária muito elevada. Sobre a falta de padres, sei que a diocese começou a pensar esse assunto em 2017. Não é só redistribuir os que existem e que ainda têm força, é uma questão de pensar que o cuidado pastoral não está assente exclusivamente nos padres, mas em equipas pastorais que sejam constituídas por padres, diáconos permanentes, com o chamamento de homens casados, e leigos. Mas, para isso, é preciso ultrapassar a mentalidade de que a minha paróquia tem que ter tudo e só com os meus. Não pode ser assim. Temos de pensar um bocadinho a Igreja num estilo missionário, onde não somos apenas servidores da própria paróquia, mas uma comunidade de comunidades.

P – Como vê a questão da “interioridade”? Existem assimetrias que, apesar de estudadas e debatidas ao longo dos tempos, não são aplicadas no terreno. Como olha para as assimetrias entre litoral e interior?
R – Às vezes fala-se muito da interioridade, mas depois não se aterra para descobrir as especificidades. Por exemplo, temos lares de idosos que precisam de aquecimento e uma instituição da Guarda recebe o mesmo que outra de outro ponto do país. No entanto, a Guarda é a capital mais fria do país. Nas visitas domiciliárias, a mesma coisa. Uma equipa vai a um bairro de uma grande cidade e assiste uma centena de pessoas, outra coisa é fazer essa assistência em aldeias dispersas no meio da serra, onde, às vezes, não pode ir só uma viatura. E depois? O apoio financeiro para pagamento de combustível, contratação de pessoas? Fala-se muito em dar benefícios para os jovens virem para cá, mas não é apenas vir, é preciso estar cá. O distrito da Guarda tem um rácio de lares muito elevado porque há uma necessidade bastante grande, mas depois, por causa desse rácio elevado, não conseguem aceder a determinadas candidaturas. A leitura não pode ser feita desta maneira, porque se há muitas instituições para idosos é porque a procura e necessidades também são elevadas.

P – Existem focos de pobreza na diocese da Guarda? É necessário mais apoio e proteção?
R – Já reuni com a Cáritas diocesana e existem algumas crianças em situação de risco ou mães sozinhas a precisar de algum apoio ou proteção. São realidades que existem na nossa região, para as quais a diocese tem alguma resposta, mas que muitas vezes precisam de ser potenciadas e fortalecidas. É o caso também da população migrante que, muitas vezes, num primeiro momento, está em situação de vulnerabilidade. No entanto, as situações de pessoas idosas, muito sozinhas, é a mais preocupante. Os lares responderam numa primeira fase com intervenções de vanguarda, mas com o avançar do tempo, com as regras e critérios exigidos pela Segurança Social, no sentido de melhorarem a qualidade do serviço, ficaram desatualizados e não têm atualmente capacidade de financiamento para se renovarem, apesar de tentarem ultrapassar os problemas.

 

Entrevista a D. José Miguel Pereira, Bispo da Guarda

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