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A saída limpa tem um lastro de aldrabice

Enquanto se discute o tema fraturante da moda, as praxes, é o povo português que é praxado, ao ser tratado como um jovem caloiro decretado ignorante pelos doutores de serviço. Isto a propósito da recente euforia em torno dos números do défice do Estado, agora conhecidos e oficializados em baixa. O governo vai (já está) cantar vitória. Mais à frente os galões serão puxados nas eleições europeias, nas legislativas de 2015 e sempre que um cata-vento ameace virar no sentido contrário ao do discurso de consagração governamental. Mas o país não mudou. O liberalismo de pacotilha professado pelo primeiro-ministro não mudou a face do país. Desgastou-a, envelheceu-a. A mediática reforma do Estado não o reformou. Esqueceu as gorduras quedando-se por um “peeling” facial que torna o panorama ainda mais feio.

As notícias que apontam para a progressiva recuperação económica, crescente confiança dos investidores/credores internacionais e estancagem do desemprego são enganadoras. Tudo se deve a uma mudança de orientação das lideranças europeias e ao «comportamento de manada» dos investidores, como bem sintetiza a expressão do jornalista Pedro Santos Guerreiro, que agora desconfiam dos mercados emergentes. O país não está melhor nem é capaz de, isoladamente, regressar aos mercados. A demagógica vontade de uma saída limpa do programa da troika, sem o auxílio de um programa cautelar, poderá significar que o empobrecimento económico, cultural, científico e social a que os portugueses foram e continuarão a ser votados terá servido somente para… nada. A saída limpa é uma aldrabice porque é mais cara. Porque obriga ao pagamento de juros mais elevados e a dificuldades adicionais de ajustamento orçamental e de redução da despesa pública. Mesmo assim já se fala em baixar o IRS!

Mas, claro está, a vontade de fazer política vai prevalecer. O governo vai querer uma saída triunfal do programa de assistência. E vai tê-la. É essa a vontade da Europa, temerária perante o aproximar das eleições europeias e o crescente descontentamento social que faz crescer a ameaça dos “tea party’s” europeus, como escrevia recentemente a “The Economist”. O pensamento dominante é que esta via salva a face de todos. Bem, de todos não. Aos portugueses não – mas que interessa isso com eleições e eventual manutenção do poder à porta?

E que faz o principal partido da oposição perante tudo isto? Tenta continuar a fazer de morto, assertivamente dizendo que está cá para contribuir em tudo aquilo que beneficie o povo português, numa retórica que o levará de derrota em derrota até à irrelevância final. Desbaratar a ideia de um compromisso interpartidário para os próximos anos significa apenas que, terminado o “ajustamento”, Portugal poderá finalmente apostar no desenvolvimento e nas reformas que permitam ao país enfrentar os desafios vindouros. Ou seja, com ou sem viragem do disco, tocará o mesmo.

Por: David Santiago

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