Há quinze dias ardeu o que restava de um dos imóveis mais bonitos da Guarda, o Pavilhão Rainha D. Amélia, na Cerca do Sanatório. Na verdade, o imóvel estava devoluto e abandonado há 40 anos.
Inaugurado em 18 de maio de 1907, com a presença do rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia, o antigo Sanatório Sousa Martins (atual Parque da Saúde da ULS Guarda e que inclui o Hospital Sousa Martins) era constituído pelos pavilhões Lopo de Carvalho, D. António de Lencastre e Rainha D. Amélia, para primeira, segunda e terceira classe, entre outros edifícios projetados pelo arquiteto Raúl Lino – entre eles, o edifício da Rádio Altitude. A Cerca está classificada como conjunto de interesse público, pela portaria 39/2014, do Secretário de Estado da Cultura.
O parque representa um período relevante da história contemporânea da Guarda: o Sanatório, a visita dos reis, a arquitetura de Raul Lino, o conjunto classificado de Interesse Público ainda que praticamente votado ao abandono há quase 40 anos (e onde atualmente está a ser construído um novo pavilhão, numa cedência de terreno, arborizado e classificado, a uma fundação privada, que contraria e infringe a classificação de interesse público), as árvores frondosas, que são as mais altas de Portugal – um condomínio notável com mais de cinquenta sequoias gigantes, árvores que foram plantadas na primeira década do século XX e algumas atingem dimensões impressionantes, com até 64 metros de altura, que proporcionam um ambiente único e de grande valor paisagístico, combinando história e natureza.
O Estado não pode classificar e depois ausentar-se de cuidar e manter o património, que é de interesse público, e é de grande interesse cultural. E a Guarda não pode esquecer e continuar a permitir o estado de esquecimento e abandono a que há muito a Cerca do Sanatório foi votada. É preciso um clamor social em defesa da história, da cultura, do património, da memória, de um dos mais extraordinários espaços, casas, árvores e marcas da vida contemporânea da cidade – a cidade da saúde. O património material e o património imaterial do conjunto da antiga Cerca do Sanatório da Guarda é imenso e não podemos continuar a ignorá-lo.
Mas se o fogo destrói, e é a morte para sempre, o fogo também purifica e pode fazer nascer uma nova vida. Confiemos, pois, que o incêndio que queimou o que restava das ruínas do Rainha D. Amélia tenha sido uma chamada de atenção e o augúrio para uma nova vida do património histórico-artístico da Cerca do Sanatório da Guarda. Num momento em que a ULS Guarda vai iniciar as obras de recuperação do edifício Lopo de Carvalho e tem em concurso público outras reabilitações, vemos, finalmente, uma luz ao fundo do imenso túnel para recuperar o conjunto classificado de interesse público. Porque se as palavras de Miguel Torga, «o passado passou e o presente agoniza», retratam fielmente o antigo Sanatório Sousa Martins, como Hélder Sequeira legendou, vamos pugnar e participar civicamente na exigência de uma nova vida para o conjunto. Porque o antigo Sanatório representa o sofrimento de muitos, dos que aqui padeceram doenças, dos que aqui morreram e dos que aqui sobreviveram, da luta contra a tuberculose e tantas outras doenças, mas também representa vida, sobreviver à doença, memória, ilusão, esperança, afetos, e património imaterial que devemos recordar e valorizar e património material que devemos preservar.


