Voltemos, por uma semana sem exemplo, à actualidade internacional. Vi, no início da semana, mais uma manifestação contra as mortes em Gaza. Já neste espaço tinha referido que isto é gente que se preocupa muito com mortes em lugares muito específicos, e não lhe interessam nada mortes noutros lugares. Com o cessar-fogo em vigor, fui espreitar se os manifestantes estavam revoltados com as rondas de tiro ao alvo em cabeças de palestinianos que têm sido praticadas pelo Hamas, em execuções públicas e divulgadas. Nada. Nem uma palavra. Estes manifestantes continuam a protestar contra acções do exército de Israel que já cessaram e nada têm a dizer conta as actividades do Hamas que continuam a acontecer perante os olhos e as câmaras. Começa-me a parecer que afinal não é quem morre – os palestinianos – que move estes flotilheiros de terra, mas sim quem mata – os israelitas.
Uma nota sobre moda e classe social, que é para isso que os leitores aqui vêm: os utilizadores dos lenços axadrezados da Palestina não devem ser confundidos com os possuidores de lenços com padrões de xadrez da Burberry, embora possa haver alguns casos em que coincidem. No entanto, acontece com muita frequência que quem ostenta um lenço de xadrez preto e branco descende de paizinhos que usam muito o xadrez colorido britânico.
É provável que, em nome do multiculturalismo, os manifestantes do primeiro parágrafo tenham um entendimento parecido com o provérbio português, “entre o Hamas e quem ali estiver, não se mete a colher”. São coisas lá entre eles, é uma cultura diferente, se os homossexuais são presos e os opositores são abatidos a tiro não temos nada a ver com isso. Só não podem tolerar que os israelitas façam seja o que for para se defenderem – e já agora incluem também a teimosa Ucrânia que não está disposta a aceitar uma paz russa e trumpista.
De forma muito curiosa – e perigosa –, os discursos do PCP e do presidente dos Estados Unidos sobre os conflitos internacionais alinharam-se como o sol e a lua em dia de eclipse. “É preciso fazer a paz, não podemos alimentar a guerra” é o mote de Raimundo e Trump. Não interessa como as guerras começaram, quem foi o primeiro agressor, não importa se o silêncio das armas beneficia o infractor, só importa que se possa dizer, “porra, finalmente a guerra acabou” – esquecendo que para quem vive em territórios ocupados pelo invasor (como na Ucrânia) ou grupos terroristas (como Gaza) a guerra nunca termina. Se as guerras do mundo acabarem – e espero que Washington esteja atento ao que se passa entre a Liga e a FPF – sugiro que o comité Nobel na Noruega ofereça o prémio da paz no próximo ano em ex-aequo a Paulo Raimundo e Donald Trump.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia


