Resistência, coragem, luta e dignidade

Escrito por Jorge Noutel

O Comité de Oslo atribuíu o Prémio Nobel da Paz de 2018 a Denis Mukwege e a Nadia Murad pelo seu trabalho em combaterem e denunciarem o papel da violência sexual nos conflitos armados.

No Hospital Panzi, fundado por Mukwege, na República Democrática do Congo (antigo Zaire), mais de 50 mil mulheres vítimas de violência sexual foram tratadas desde 1999. «Este não é um problema só das mulheres, é um problema da humanidade», afirmou Denis Mukwege, um médico que sara os corpos mas tenta também aliviar as almas.

Já Nadia Murad é membro da minoria étnica Yazidi. Foi raptada pelo Estado Islâmico em 2014, no Iraque, tendo sido repetidamente violada por membros do grupo terrorista. Três meses depois de ter sido raptada, conseguiu fugir. Desde então tem trabalhado como ativista para alertar para o problema da violência sexual como arma de guerra. Em setembro de 2016 foi nomeada Embaixadora da Boa-Vontade das Nações Unidas, com a pasta da defesa das vítimas de tráfico humano.

O Comité de Oslo destacou como Nadia «se recusou a aceitar os códigos sociais que exigem às mulheres que fiquem em silêncio e envergonhadas pelos abusos a que foram sujeitas», elogiando a sua «invulgar coragem» ao contar a sua história e ao falar em nome de outras vítimas.

«O principal objetivo é chamar a atenção para o problema do abuso sexual», resumiu a presidente do Comité, Berit Reiss-Andersen, sobre a decisão de atribuir o Nobel aos dois ativistas.

«Se receber o Nobel, recebê-lo-ei com o coração partido», disse Nadia Murad referindo-se aos milhares de mulheres que são vítimas de violação. A descrição, na primeira pessoa, da sua violação, é de uma extrema violência e revela quão doloroso é tal ato, seja no âmbito psicológico e sentimental ou carnal. Uma verdadeira barbárie. Após ter conseguido fugir do cativeiro, Nadia chegou a um campo de refugiados onde contou todos os horrores por que passou a uma jornalista da BBC. Foi-lhe proposto que se mantivesse anónima, mas Nadia recusou-o peremptoriamente reforçando a sua posição com a frase «Não, deixem que o mundo veja o que nos aconteceu».

O terror pelo qual Nadia teve de passar, contudo, pesa-lhe sobre os ombros, como uma assombração. «Sinto que cada parte de mim mudou nas mãos deles: cada meada de cabelo na minha cabeça, cada parte do meu sangue, ficaram velhos. Fiquei gasta graças ao que eles me fizeram e agora sou completamente diferente do que era».

Neste sentido, e como costuma ser seu apanágio, a entrega do Prémio Nobel da Paz a Denis Mukwege e a Nadia Murad é uma lição e um estímulo para aquela parte do mundo que ainda respeita valores. E uma bofetada a quem acha que o poder, seja ele qual for, pode exercer a violência, nomeadamente a sexual.

Numa época em que a violência sexual inunda o dia a dia das notícias, pelas melhores ou pelas piores razões, este prémio veio lembrar-nos que a violência, seja ela perpetrada em que contexto for, é um ato altamente reprovável do ponto de vista civilizacional e sinal de barbárie, insensibilidade e selvajaria.

É em momentos destes que nos questionamos sobre o estado a que terá chegado qualquer país que tenha decidido não enviar para a cadeia dois homens que tenham violado uma mulher em estado de inconsciência.

De facto, este tipo de prémios não existe apenas para projetar uma esperança e uma visão para o futuro. Às vezes, por coincidência, servem também para projetar sombras bem negras sobre o nosso passado recente…

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Jorge Noutel

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