Opinião de Filipe Conceição Silva: De um Vale de Cerejas a um Deserto Negro: O preço amargo da energia “verde”.

Ah, as cerejas! Vermelhas como rubis, suculentas, luzidias e gloriosas. Em qualquer mercearia ou supermercado nacional, entre maio e julho, surgem nas caixinhas de madeira. Se imprimida a palavra “Fundão” não há engano: são as melhores cerejas de Portugal, da Europa (talvez mais que isso). As cerejeiras em flor, emolduradas pelas serras da Gardunha e da Estrela, fazem do vale do Fundão um postal vivo. Geram economia, atraem visitantes, valorizam propriedades, levantam a moral e dão vida à região. Este cenário idílico está a ser assassinado e engolido por uma nova “praga”…, os painéis solares!
As empresas de energia têm-nos afagado com anúncios de campos verdes poéticos, com música de violinos, acompanhante numa ensemble devaneadora de flores coloridas, grilos a estridular, passarinhos a chilrear, cigarras a cantar, ribeiras de água límpida, nuvens brancas a pintalgar céus azuis e em fundo uma voz doce sobre “sustentabilidade” e “energia limpa”, tudo numa fusão idílica, descontraída e apetecível até às mais empedernidas das almas, só que, por trás dessa imagem romântica, esconde-se uma realidade muito menos luminosa.
Quem vive na região ou quem viaja pela A23, entre o Fundão e a Covilhã, constata sem dificuldade a presença de dezenas de milhares de painéis pretos a espalhar-se pelos campos, a ocupar encostas, a devorar paisagens. Onde antes havia o verde divino agora há um mar de espelhos negros. Onde antes havia cor, vida e beleza, cresce agora um deserto artificial, impessoal, horroroso, escuro e sinistro. Verde? Limpo? Ecológico? Nada disso!
A instalação massiva destes parques solares não é inocente. Destrói solos agrícolas, diminui a qualidade de vida dos residentes, afasta visitantes e potenciais cidadãos a escolherem o local para se estabelecerem, espanta turistas, baixa o valor das propriedades e mutila a paisagem que sempre foi o orgulho da região e, para cúmulo, a energia que produzem nem sequer se traduz em preços mais baixos, muito pelo contrário. Os lucros fogem para fora do país, cá ficam as feridas num território degradado e, a “cereja em cima do bolo” veio na forma do apagão de julho de 2025, a provar que o sistema, até tecnicamente, está longe de ser perfeito.
Enquanto o deserto do Saara tem a sua atração, o seu encanto e mistério, esta aridez fabricada pela mão humana apenas inspira tristeza e repulsa, pois o que era belo e deslumbrante tornou-se repulsivo e asqueroso. Ninguém, no seu perfeito juízo, quer passar férias num campo coberto de painéis ou passar um fim de semana perto deles. Conhece alguém que queira viver rodeado por um oceano de alumínio e reflexos negros? Também se come com os olhos, mas num restaurante escolhemos o que queremos – o prato que nos estão a obrigar a “comer”, em nome da “energia limpa”, é cada vez mais indigesto e diria que venenoso também.
Diz a voz popular que “quem cala, consente”. Agora, hoje, no presente momento, é hora de não calar, antes de intervir, de barafustar, de fazer ouvir a sua voz. Há que o fazer nos locais certos, nas Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, associações agrícolas, organizações sociais de proteção da natureza, missivas escritas a estas instituições, artigos de opinião nos jornais locais e nacionais, clips filmados enviados a deputados e responsáveis políticos no Parlamento ou da região em quem o leitor votou para o representar. Tudo isso, mostrando a fealdade e o asco em que se pretende transformar a região.

Sobre o autor

Filipe Conceição Silva

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