Do vermelho ao amarelo

Escrito por Fidélia Pissarra

Antes do muro cair, os contestatários, nesta Europa, costumavam ser vermelhos. Às vezes, ser contestatário significava apenas que não se tinha o juízo todo. Numa Europa de paz, livre, farta e segura contestava-se o quê? Só se fosse a autoridade paterna! Imagino quantos, deitados nos seus quartos revestidos de pósteres do longínquo Che Guevara, não planearam balear o pai e envenenar a mãe, em nome da “revolução”.
Caíram a União Soviética, o muro, os vermelhos e só os malucos é que não dão mostras de querer cair. Claro que agora, em vez de delirarem em frente de uma fotografia colada na parede, deliram mais para cima de um teclado, agarrados a um rato.
A Europa? Essa continua pacifica, segura e farta. Só que estas mentes atormentadas também não podem, do pé para a mão, desatar a discutir com o pai e a mãe. Muito menos a matá-los, porque alguns deles até já terão morrido. Por várias razões, sair para a rua, com uma capa decorada a foice e martelo, disfarçado de super-herói, também está fora de questão. Desde logo, por nem sequer reconhecerem martelo, ou foice, e o vermelho ser chão que já deu uvas.
Agora é verde fluorescente. Só que, como não soaria bem “gilets verts fluorescents”, dizem que é amarelo. Assim, como um “tanto dá”. Pormenor importante, não são “rouges”. O que me leva a pensar que, se não nos empurram de Leste, nos empurram de Oeste!
Conseguiu-se acabar com a fome, o analfabetismo, a morte por falta de assistência médica, o autoritarismo… Só não se consegue é acabar com quem desespera por alguém que o “compreenda”, que lhe alimente os desvarios e, principalmente, a maldade. Num país com vastos apoios sociais, há quem pense que não tem que chegue e a culpa é dos imigrantes. Numa imensa comunidade imigrante há quem pense que não tem que chegue e a culpa é dos outros imigrantes. Se isto não é maldade, é o quê? Falta de senso?
Compreender-se-ia uma “revolta” de coletes, de uma qualquer cor, num país africano, latino americano, asiático. Num país, onde o trabalho infantil costura os nossos trapos, alimenta os nossos bifes e colhe a nossa fruta. Mas, num país europeu? É mais do que incompreensível. E não, não me venham cá com desigualdades, decorrentes do capitalismo, corrupção e afins, para legitimar estas “guerras”. A guerra, qualquer guerra, requer sempre dinheiro para se fazer. Por isso, será só mais uma contradição assumirem que declaram “guerra” ao capitalismo. Se me dissessem que o iam combater mudando hábitos de consumo, valores e princípios, o enredo poderia até ter alguma verosimilhança. Assim, tem pouca ponta por onde se lhe pegue.
Ninguém pode dizer que luta por uma causa, por um planeta melhor e mais democrático, envergando coletes fabricados à custa da escola, das brincadeiras e das vacinas de crianças de meio globo. Porque, se o disser, revela claramente uma de duas coisas: ou é néscio; ou é trafulha! Seja lá o que for, cabe-nos dissecar, até ao fim, estes “movimentos” ad hoc, porque o que urge, mesmo, é combater populismos. Venham de onde vierem! De preferência, combate-los sem guerras. Porque, já se sabe, saem sempre muito caras.

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Fidélia Pissarra

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