Quebrar o silêncio

A França é terra de revoluções, mas não é país de reformas. Por isso, mais uma vez, os gauleses lideram uma revolução popular que deverá marcar o tempo, o desatino e o protesto em outros países.
O movimento “gilets jaunes” «é a fórmula francesa do mal-estar de todo o ocidente», como sintetizou muito bem Jorge Almeida Fernandes, e é o resultado do acumular de angústias e desilusões, de cólera contra o sistema e protesto pelo aumento de impostos (inicialmente sobre os combustíveis), o aumento dos custos de vida ou a estagnação do nível de vida. E mais do que tudo, este é um movimento que nasce contra a desigualdade e contra a incapacidade de as democracias-liberais promoverem políticas igualitárias. Não é um movimento populista ou extremista, como tantos que têm irrompido por todo o lado, é a saída à rua das pessoas num movimento dinâmico, com apoio da maioria dos cidadãos, que são a antítese da ideologia e nada tem a ver com política, mas apenas com o descontentamento generalizado dos cidadãos e com a insurreição popular contra uma fiscalidade abusadora que tolhe a economia e vitimiza a classe média e os trabalhadores. Não é um movimento pelo futuro, é uma revolução pelo presente (que descambou para a violência, nomeadamente porque pelo meio, como sempre, os extremistas aproveitam o descontentamento e a desordem para destruir e romper).
O mal-estar francês é um problema comum a toda a Europa. É um mal-estar das pessoas, dos jovens, dos reformados, dos que trabalham e pagam impostos e se sentem “cansados”. É um falhanço das elites europeias que não anteciparam as crises com que temos convivido e não souberam definir novos caminhos para uma sociedade habituada a um bem-estar que os países não conseguem suportar. E não conseguem suportar porque o nível de despesa pública é escandalosamente alto – o Estado habituou-se a lançar novas taxas cada vez que precisa de dinheiro e o cidadão já não admite pagar mais.
A fiscalidade elevada, a falta de expetativas, a estagnação dos rendimentos… são denominadores comuns em França como em outros países europeus.
Em Portugal, está agendado para o próximo dia 21 uma ação de protesto focada na contestação aos aumentos dos combustíveis e ao pagamento das portagens. Os promotores têm como lema “vamos parar Portugal” e interrogam-se sobre os rendimentos baixos e impostos altos no país. A convocatória pode emergir de movimentos extremistas, mas, como em França, a eventual adesão popular terá mais a ver com o descontentamento e os custos de vida do que com opções ideológicas. Os políticos em Portugal, como em França, vivem encerrados no seu casulo, nas suas mordomias e no seu “modus operandi” abstraídos da realidade e muito longe dos problemas das pessoas. O cidadão está descontente e não é ouvido, por isso tantas greves (cada uma com a sua idiossincrasia) e vontade de agitar um país demasiadamente dobrado perante a política de Bruxelas e o domínio dos partidos. Sair à rua é a opção para quem se sente espoliado e emudecido: contra os aumentos dos combustíveis, contra as portagens, contra o empobrecimento coletivo. Mesmo num país de brandos costumes.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

Leave a Reply