Sociedade

New Hand Lab dá vida a fábrica histórica da Covilhã

A crise dos lanifícios ditou o encerramento da Fábrica António Estrela/Júlio Afonso, junto à ribeira da Carpinteira, na Covilhã, em 2002, mas a sua história não ficou por aqui. Património da família Afonso e também da cidade, entre aquelas paredes há hoje uma nova vida com o New Hand Lab.

Foi em 2013 que o projeto surgiu. Francisco Afonso, filho de Júlio Afonso e o último responsável daquela unidade fabril, brincou, cresceu e sempre trabalhou naquelas paredes. Com a desativação da fábrica, a família recusou-se a «deixá-la cair, como aconteceu a tantas outras pela cidade», adianta Francisco Afonso. E foi com este pensamento e no seguimento da loja “Casa da Lagariça” que o responsável já tinha em Castelo Novo que nasceu o New Hand Lab. Um espaço onde se promove a criatividade, a inovação e o empreendedorismo, entre os novelos, tecidos e máquinas da própria fábrica, que estão presentes ao longo dos 10 mil metros quadrados de área do edifício e que não só servem de inspiração, como preservam a memória de uma fábrica edificada em 1853.
No New Hand Lab há lugar para as mais variadas artes, como design, cinema, pintura, fotografia e brevemente ali vai passar também a existir um espaço de arquitetura. Miguel Gigante, ligado ao projeto desde o início, tem ali o seu Atelier do Burel, mas o seu trabalho vai para além do burel. «A minha influência é a lã», afirma o designer. Uma inspiração que cria «uma fácil conexão» ao New Hand Lab, mas também «a vontade de querer estar num coletivo». O designer sempre acreditou que este era um projeto possível, que lhe permite «absorver outras experiências» e confia que «é só ainda um começo». Também João Pedro Silva é um dos artistas residentes do New Hand Lab. Dedicado à arte da fotografia, encontrou ali «uma oportunidade fantástica para fazer algo que também faltava à cidade, ao mesmo tempo que dava continuidade aquilo que era a minha atividade». Embora esteja instalado numa pequena sala, «todo o edifício é também um estúdio», considera, garantindo que o edifício é «uma forte inspiração».
Qualquer pessoa pode criar um espaço no New Hand Lab na condição de «se enquadrar dentro do espírito do projeto», que nunca põe de parte os lanifícios. Quem ali está instalado não paga renda, sendo a maioria das despesas assumidas pela família Afonso, que encontrou neste projeto «a melhor forma de conservar o edifício» dando-lhe vida, pois para Francisco Afonso «este movimento constante ajuda a manter vivo o espaço». Um dos objetivos dos herdeiros passa por classificar o edifício como monumento de interesse público, «pelo seu historial e por toda a atividade que hoje se desenvolve cá dentro, que é uma atividade criativa». É uma antiga fábrica, que sem perder a ligação às origens, «tem vida», conservando o seu espólio e as suas memórias e onde até o antigo refeitório foi transformado «num pequeno bar», que serve de apoio aos artistas e também a quem por ali passa em dias de eventos.
Com mais de cem anos de história, hoje a fábrica tem duas vertentes, «a de edifício/ património, ligada à parte de turismo e temos a outra parte de criatividade». Numa visita pelo espaço é fácil perceber que uma está diretamente associada à outra, pois não há sala que não tenha um detalhe que remeta diretamente para os lanifícios, e esse é mesmo o mote de inspiração para os artistas criarem. E se a história da fábrica não fosse suficiente, recentemente, «por mero acaso», foram também descobertas as ruínas de uma manufatura do século XVII, que, segundo Francisco Afonso, é «uma fornalha ligada ao tingimento e lavagem de lãs». O projeto tem sido desde início acompanhado pelo Turismo do Centro, que através da agência de promoção externa têm atravessado fronteiras e sido notícia em vários jornais internacionais. Com visitas guiadas todos os dias, no New Hand Lab, «pegámos na essência da Covilhã e nos seus primórdios e damos-lhe hoje uma essência diferente, com uma visão de futuro».
Uma aposta que tem vindo a conquistar curiosos, tornando-se num ponto de paragem de turistas, que não só promove e divulga recursos endógenos, como também mostra a história da cidade. Um espaço que até aqui não existia. Passado 17 anos do encerramento da antiga têxtil, as máquinas continuam a ser ligadas durante as vistas e mantêm-se «todas em perfeitas condições e fazemos a sua manutenção». Francisco Afonso desvenda até uma particularidade: «80 por cento das máquinas que aqui temos hoje foram fabricadas na Covilhã», revela. Nestas paredes cheias de história guardam-se também milhares de desenhos e respetiva ficha técnica que serviram de base para o fabrico de tecidos que em tempos Júlio Afonso ali produziu.
Além da criatividade, a antiga fábrica Júlio Afonso é também um espaço de eventos. Por lá já passaram concertos, passagens de modelos, conferências, espetáculos de teatro e dança. Esta sexta-feira e sábado (21h30) será palco de mais um espetáculo e vai receber a companhia Kaizer Ballet, que apresenta a mais recente criação “Ashes and Dust”.

Sobre o autor

Ana Eugénia Inácio

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