O interior cada vez mais vazio

Escrito por Carlos Cortes

Tem sido frequente, nestes últimos anos, ouvirmos dos principais dirigentes do setor da Saúde os lamentos pela fuga dos profissionais para o setor privado ou até para a emigração. Em simultâneo, os mesmos dirigentes redobraram o queixume pela dificuldade de fixação dos profissionais nas zonas mais carenciadas do país, nomeadamente nos distritos da Guarda e Castelo Branco, causando o esvaziamento de serviços fundamentais para dar resposta às populações.
Assistimos todos a uma progressiva degradação da política de recursos humanos na Saúde, à desestruturação das equipas multidisciplinares, à falta de lideranças ou da sua qualidade, à ausência de condições para essas lideranças poderem desenvolver as atividades dos seus hospitais, dos seus serviços ou centros de saúde. As Carreiras Médicas, desenvolvidas para serem um pilar do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e um motor do seu desenvolvimento, são inexistentes.
Nestes últimos meses prometeram-nos tudo: todos estes problemas seriam rapidamente corrigidos, o SNS voltaria a ser atrativo, o interior do país voltaria a ter a atenção que merece e seria, também, desenvolvida uma política de recursos humanos adaptada às necessidades das pessoas. Centrar os cuidados de saúde nas pessoas e colocá-las no centro do sistema são ideias recorrentes que, infelizmente, não passam disso… Ideias recorrentes sem nenhuma tradução na prática.
Recentemente foi publicado o mapa de vagas para Assistente Graduado Sénior que é absolutamente indispensável para a organização dos serviços, a constituição das equipas multidisciplinares e a organização do trabalho. Para todo o país foram disponibilizadas 200 vagas, quando seriam necessárias, provavelmente, dez vezes mais!
Na região Centro, das 110 consideradas necessárias só abriram 15 vagas: 7,5 por cento do total, ao arrepio de qualquer noção de equidade entre as várias regiões. Para os hospitais mais carenciados da região, como a Guarda ou Castelo Branco, não abriu qualquer vaga. Estes hospitais e os centros de saúde tiveram direito a zero por cento das vagas!
Assim, não haverá SNS que aguente! Estamos a anos-luz do que seria necessário para manter a sustentabilidade dos recursos humanos no SNS. A Ordem dos Médicos exigiu transparência nestes processos e, por isso, desafiou o Ministério da Saúde a apresentar os critérios subjacentes a esta decisão. É importante que sejam públicos os motivos que levaram a esta distribuição de vagas. Porque não foram considerados os hospitais e centros de saúde do interior? Porque foram esquecidos os hospitais do litoral bastante carenciados? E porque é que a região Centro é sistematicamente preterida quando se trata do desenvolvimento das condições dos cuidados de saúde?
Não chega fingir que se defende o SNS e que se quer preservar o interior. Esta foi mais uma enorme oportunidade perdida para ajudar o SNS e os cuidados saúde da região Centro e reforçar o interior do país.

* Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos

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Carlos Cortes

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