Mercator

Escrito por António Ferreira

Sabemos que a Terra é redonda, mas a nossa imagem mental do Mundo é a dos planisférios da escola. Quando na televisão nos mostram acontecimentos de um país distante e nos situam com um mapa, este é obtido com um “zoom” sobre o planisfério e não sobre um globo terrestre. Parece que é o mesmo, habituámo-nos a acreditar que é o mesmo, mas não é.
Para se obter esse planisfério de um globo, uma esfera, para uma superfície plana, foi necessário fazer concessões. É como se tirássemos cuidadosamente a casca a uma laranja em que tivéssemos desenhado os oceanos e os continentes e a espalmássemos em cima de uma mesa – e pretendêssemos obter a mesma coisa, só que num plano. É fácil de ver que é impossível, sem uma série de concessões e deturpações da realidade.
O que fez no século XVI o geógrafo e cosmógrafo Gerhard Kramer, um flamengo cujo nome foi latinizado para Mercator, foi primeiro projetar o globo num cilindro e depois converter esse cilindro num plano. O objetivo era facilitar a vida aos navegadores, mas o resultado prático não foi bem assim, como mostrou Pedro Nunes, que primeiro estudou os problemas resultantes da loxodromia e das distorções criadas pelo método de Mercator. Estas foram depois parcialmente corrigidas por outros, mas o resultado final continua longe de mostrar o Mundo com exatidão e ajuda até alguns bandos de loucos a querer demonstrar que a Terra é plana.
Interessa-me tudo isto porque o “Mapa Mundi” que temos na cabeça e que interiorizámos desde a escola se refere, afinal, a um mundo que não existe assim. No planisfério a Rússia parece muito maior do que África e a Gronelândia do mesmo tamanho que a América do Sul. Na realidade, o continente africano (mais de 30 milhões de quilómetros quadrados) tem quase o dobro da Rússia (17 milhões de quilómetros quadrados). A América do Sul (mais de 18 milhões de quilómetros quadrados) é muito maior do que a Gronelândia (pouco mais de dois milhões de quilómetros quadrados). O Oceano Pacífico, maior oceano do planeta, mostra-se dividido entre as duas margens do planisfério e perde importância. A Europa e Portugal continuam com uma centralidade que já não têm e não tinham de qualquer modo que ter. A distância real entre a China e a Europa encontra-se igualmente distorcida, pela passagem do nordeste ou não.
Tudo isto independentemente dos motivos políticos imputados ao planisfério clássico, de desvalorização do hemisfério sul em detrimento do hemisfério norte, de predomínio do Ocidente sobre o Oriente (conceitos sem qualquer valor num globo, a não ser de um ponto relativamente a outro). Não houve esse objetivo e o resultado é apenas uma consequência do “espalmar da laranja”, em que as brechas criadas na casca foram preenchidas com o que mais havia em cada um dos hemisférios: terra em cima e mar em baixo.
Muitas decisões são hoje tomadas com base numa imagem do mundo que não é verdadeira, mas não culpemos Mercator. Ele apenas nos quis simplificar as coisas, sacrificando a verdade a favor de uma sua representação mais conveniente. Claro que a política é também isso, mas é uma mera coincidência.

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António Ferreira

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