Enquanto estávamos distraídos

Escrito por António Ferreira

O ciclo das notícias da imprensa séria tem que se lhe diga. Um tema torna-se moda de um dia para o outro e todos os órgãos de informação o põem em primeira página. Depois, sem que a história venha a ter desenlace, passa-se ao tema seguinte. Entretanto, enquanto se fala de Tancos, das presenças na Assembleia da República do Silvano, do IVA nas touradas, vão evoluindo problemas realmente importantes. Ao mesmo tempo, nas redes sociais e nos pântanos das “fake news”, vão-se inventando escândalos e arremessando mentiras aos tolos.
Mas na vida real, naquilo que dói mesmo, sucedem-se acontecimentos que não chegam à primeira página. Temos perceções mas não conhecemos ao certo os factos. Dou alguns exemplos.
Todos os anos saem das escolas secundárias da cidade, com destino às universidades, centenas de jovens. A perceção geral é que a maioria não regressa, mas não conheço números rigorosos sobre o assunto e ninguém parece interessar-se muito, como se não fosse esta uma das mais importantes questões da nossa região.
Outra perceção: num passeio à noite pelos bairros da cidade reparem como muitas casas, quase parecem a maioria, têm todas as luzes apagadas e as persianas fechadas, em claro sinal de estarem devolutas. Outro sintoma da mesma doença é a situação de quase pleno emprego que se vive agora no interior, com empresas a ter dificuldades para encontrar profissionais de muitas áreas. Outro ainda é a diminuição de crianças nos infantários, de jovens nas escolas secundárias.
Tudo isto é sabido mas é poucas vezes notícia ou objeto de estudo. Há outras coisas a chegar com mais facilidade à abertura dos noticiários, a exigirem a presença pronta do Presidente da República ou de algum membro do Governo. Houve um manifesto pelo Interior, mas não se viu ainda nenhuma medida concreta com capacidade para inverter o ritmo do despovoamento, nem se espera nada de especial do próximo Orçamento Geral do Estado, como, por exemplo, uma diminuição das portagens na A23 ou na A25.
As aldeias mortas, as casas vazias, as empresas fechadas, os campos abandonados, tudo isto está muito longe do material de que se fazem as notícias e, a reboque destas, as políticas. Bem podemos andar distraídos com causas fraturantes ou com as notícias da moda, que a verdadeira notícia é já ter morrido, silenciosamente, grande parte do país.

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António Ferreira

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