Cultura Reduzida a Adereço: Um Retrocesso Humilhante

Escrito por Diana Santos

Portugal tem agora um governo que decidiu que a Cultura já não merece um Ministério próprio. Junta-se ao Desporto e à Juventude, como quem reorganiza a arrecadação da casa: tudo o que sobra, vai para o mesmo armário. E quem fica a tomar conta? Uma jovem jurista, sem relação conhecida com a criação artística ou com o setor cultural.
O gesto não é apenas administrativo, é político. E, mais do que isso, é simbólico e humilhante.
Esta fusão perpetua uma ideia perigosa: a de que a cultura é um bem acessório, um luxo para tempos de bonança, um extra simpático mas perfeitamente dispensável. Algo lúdico e decorativo, que se junta ao desporto como se fossem irmãos siameses de entretenimento.
Mas a cultura não é um apêndice ornamental, é a espinha dorsal de uma sociedade consciente de si mesma. A cultura interroga, provoca, desafia. Constrói memória, alimenta identidade, questiona os poderes, cria sentido. É o que dá forma e profundidade à sociedade, é o que resiste quando tudo o resto falha. Foi nos livros, nos palcos, nos quadros, nas canções e nos filmes que os povos se reconheceram e se reinventaram. É na cultura que a juventude encontra linguagem para a sua revolta e o desporto a sua dimensão ética. Sem ela, resta o ruído, a distração e o vazio.
Tirar à Cultura o seu lugar no organograma do Estado é um retrocesso ideológico. É tratar o pensamento, a arte, a memória, a criatividade e a crítica como bens menores.
O que se ganha com esta fusão? Nada. O que se perde? Dignidade, prioridade política, orçamento, capacidade de resposta a um setor já cronicamente subfinanciado.
Esta visão da direita – pragmática até à miopia – mede tudo em eficiência e resultados imediatos. E a cultura, por natureza, não se mede assim, como Nuccio Ordine tão bem explica na sua obra “A Utilidade do Inútil”.
Formar consciências, preservar património, provocar reflexão ou inspirar mudança são atos lentos, contínuos, mas essenciais numa sociedade que almeja futuro.
Num tempo em que o populismo cresce e a desinformação alastra, diminuir o papel da cultura é como retirar anticorpos ao sistema imunitário da sociedade. É preparar terreno para a mediocridade, como escreveu João Miguel Tavares, ou pior, para o conformismo.
Portugal não é isto. É um país de poetas, cineastas, músicos, artistas plásticos, pensadores, escritores, encenadores, arquitetos e dramaturgos. Um país com uma cultura que sempre foi maior do que as suas circunstâncias políticas. Mas, agora, de forma institucional e premeditada, o Estado está a encolhê-la.
E quando o Estado encolhe a cultura, não está só a reduzir um ministério. Está a reduzir o espaço do pensamento livre. Está a construir um corpo sem alma, um país sem identidade nem profundidade.

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Diana Santos

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