Para o ano é que é

Portanto, no mesmo fim-de-semana o Sporting foi campeão masculino de futebol, a Áustria venceu o Festival da Eurovisão, a AD ganhou as eleições legislativas e o candidato pró-europeu foi eleito presidente na Roménia.
No domingo à noite, ouvi um dirigente do partido Livre afirmar que o país estava triste com o resultado. Fiquei sem saber com qual das quatro vitórias referidas no parágrafo anterior, mas o bom senso diria que poderia ser do futebol, das canções ou do estrangeiro, já que nenhuma delas depende da vontade colectiva do tal povo português que se entristeceu. Mas não, parece que era mesmo por causa das eleições legislativas. O tal povo, de que mais de metade escolheu votar nos partidos que mais festejaram o resultado, afinal está triste, porque o povo, que escolheu livremente em quem votar, não votou como o Livre gostaria que tivesse votado.
Por seu lado, o primeiro-ministro que já era e voltará a ser repetiu vezes sem conta que “o povo” falou, que “o povo” afirmou, que “o povo” respondeu. Senhor primeiro-ministro que já era e voltará a ser, “o povo” não fala. Da mesma forma que “o povo” não fica triste, “o povo” não responde a nada. As pessoas fazem escolhas individuais, e em consequência disso, os partidos têm uma legitimidade aritmética de acordo com a sua representatividade no
parlamento. Não é assim tão difícil.
Por todos os discursos que ouvi na noite eleitoral, fiquei com esta sensação. Os partidos de esquerda acham que falam pelo povo. Os partidos de direita acham que o povo fala por eles. A Iniciativa Liberal acha que o povo não existe.
Entre vanguardismos leninistas, romantismos populistas e gente de poucas vistas, a visão optimista que tenho para o país é a que dei a um amigo estrangeiro quando me perguntou pelas consequências das eleições: seja quem for que governe, vai ser sempre a mesma desgraça dos últimos quinhentos anos.
“Então e o teu Sporting?”, perguntou o mesmo amigo. Respondi o habitual, “Para o ano é que é.”

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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