Durante uma semana li e ouvi o comentariado português sobre os acontecimentos tumultuosos que viraram o país do avesso.
Posso, portanto, concluir que o Chega é uma ameaça à democracia e a representação legítima das aspirações de um povo que quer um país mais democrático, e que o Benfica exige menos barulho sobre as arbitragens antes dos jogos começarem e faz um chinfrim descabelado quando os jogos terminam.
O Benfica e o Bloco de Esquerda nunca perdem por razões evidentes ou culpa própria. Só agentes externos é que impedem os vermelhos de ganhar. Ambos passaram a vida inteira a ser levados ao colo, mas assim que tropeçam desatam esbaforidamente a protestar e a ameaçar com a ruptura do sistema que os houvera favorecido.
Por razões históricas, as queixas do Benfica sobre arbitragens desfavoráveis são como os lamentos do senhor Lavrov sobre a ajuda internacional que a Ucrânia recebe para se defender.
Curiosamente, as esquerdas radicais, os seus desejos de transformação radical e os sonhos húmidos com o regresso do Muro de Berlim nunca foram tidos como perigosos. O Benfica ameaça romper com as instituições do futebol português – por mim, podem ficar a jogar no distrital de Lisboa, ou mudarem-se para a Liga espanhola. As nações vermelhas estão preocupadas é com André Ventura e Luís Godinho.
São dois pantomineiros que fazem muitos gestos e às vezes decidem mal? Sim. Seriam a minha escolha para dirigir governos ou jogos de futebol? Não. Preferia árbitros britânicos e políticos escandinavos? Pois.
Afinal, as loas de paixão pelo povo e pelos árbitros quando estavam do vosso lado eram tão postiças como o cabelo de Jorge Gabriel. Agora, que o voto e os erros favorecem os adversários, já não admiram o povo, que passou a ser estúpido, nem os árbitros, que se tornaram gatunos.
Quem, como eu, passou décadas a aguentar a sobranceria intelectual e jactância de resultados de vermelhos e encarnados, só tem vontade de responder baixinho: “Tomem um kompensan, calimeros”.
No entanto, talvez por causa da idade que vai crescendo, a minha alma conservadora vai-se sobrepondo ao coração sportinguista. Em vez do costumeiro “para o ano é que é”, agora só consigo pensar “isto nunca mais volta a ser como foi”.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia