O comboio da batata

Escrito por Fidélia Pissarra

Mais ou menos mascarado, o “veio no comboio da batata” sempre primou por definir, com exatidão, o atraso caraterístico a alguém. Por isso, recuperar expressão tão rica de significado parece-me decisivo para voltar a identificar quem, incapaz de maior ligeireza, prima por chegar atrasado a todo o lado, dificultando a vida de quem espera. Se, em vez de ter de explicar que construir um parque infantil na rua Vergílio Ferreira (Virgílio, na placa toponímica), como parece ir acontecer, já não fará muito sentido, porque as crianças da rua já são adultas, pudéssemos rematar com qualquer coisa a lembrar que são manias de se viajar com os tubérculos, já descrevíamos perfeitamente este nosso prodígio de conseguir chegar sempre depois da hora. O “sintético”, existente no lugar, ainda serviu para os jovens de meia cidade lhe virem partir os equipamentos à bolada, como assumo que os mais pequenos não terão a mesma liberdade de movimentos, o parque infantil nem para ser “partido” pelos utilizadores servirá. Na melhor das hipóteses, a ser construído, pode vir a dar jeito a alguma tribo, de destruidores dos equipamentos públicos, de última geração. Ao fim e ao cabo, daqui a vinte anos também irão ser precisas intervenções para propor em campanha eleitoral e, à falta de remodelações, das remodelações, no mesmo centro de sempre, alguém se lembrará de vir remodelar o tal futuro parque infantil. Entretanto, quando as antigas crianças da vizinhança perguntarem porque é que na sua infância não existia ali um parque infantil, podemos explicar-lhes que “veio no comboio da batata”.

O mesmo, de resto, em que costumam viajar as decisões, apresentadas como essenciais para a cidade. Tardam tanto que acabam como o IPG, ou a Plataforma Logística, de tão estafados já não adiantaram lá grande coisa. Se calhar, já nos aviávamos com o que há cá, deixando-nos de veleidades fúteis.

Concordando em que vender cantos e recantos não seja coisa para ocorrer aos que só se sentem autarcas quando, de esferográfica na mão, percorrem mandatos a assinar aquisições, talvez seja altura de refletir sobre se queremos preservar a identidade das gentes e locais, ou se, pelo contrário, queremos continuar a imitar outros que é o que temos feito. O concelho do lado tem um passadiço, é isso que nos falta. A aldeia lá da ponta tem uma casa mortuária? Venha de lá o tijolo e a areia que já cimentamos uma também. Os distritos, abaixo e acima, têm uma universidade? Pois nós temos um politécnico, que só não é universidade, porque, já se sabe, chegou tarde. O vizinho tem um centro hospitalar? Pois nós havemos de ter o Parque da Saúde mais desconexo e incoerente que conseguirmos arquitetar. Ainda assim, como uma boa notícia vem sempre a tempo, resta-nos a esperança de que, mesmo chegando no tal comboio esperado pela peanha da rotunda, ainda chegue uma. Pode até vir no “comboio da batata”, convinha-nos era que chegasse antes de a janela do pequeno fim de semana dos nossos filhos se fechar.

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Fidélia Pissarra

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