PANtominices

Escrito por David Santiago

A reboque da (legítima) agenda de um partido e da nova ministra da Cultura, instalou-se em Portugal uma discussão alegadamente civilizacional sobre aquilo que é, ou não, compatível com o estádio de civilização que atingimos ou que muitos julgam que deveríamos atingir.
Como é norma na mediocracia que impera, com o inestimável contributo das sempre polarizadoras e nada esclarecedoras redes sociais, a discussão tornou-se num turbilhão de argumentos deslocados a favor e contra a tourada. (registo de interesses: longe de ser um aficionado, assisto amiúde, e com gosto, a transmissões televisivas de tauromaquia)
Claro está que não é o “amor” pelo touro bravo que faz um toureiro a cavalo espetar uma bandarilha no animal. Mas é também de natural bom-senso perceber que nenhum aficionado ou simpatizante de touradas assiste a uma corrida pelo gosto sádico de ver um animal sofrer. Colocar a discussão nestes termos só desqualifica quem o faz. E comparar a não descida do IVA dos espetáculos tauromáquicos à (abusiva) tentativa do Estado higienizar comportamentos relativos ao consumo de álcool ou tabaco, como o primeiro-ministro fez, nada ajuda a um debate esclarecido.
Não tendo uma posição definida sobre se a tourada é, ou não, um espetáculo artístico – poderia ser um desporto como o futebol e pagar o mesmo imposto –, enquanto na lei estiver enquadrada como tal não pode ser discriminada com base nos gostos dos conjunturais detentores do poder: a isso chama-se abuso de poder. Gostar de tourada não faz de mim um bárbaro, como também não faz de quem não gosta um ignorante incapaz de perceber a beleza e relevância da tradição tauromáquica. São gostos.
André Silva refere-se ao mundo da tourada como sendo um “negócio milionário”, afirmação que só pode ser proferida por três razões: demagogia, absoluta ignorância ou ambas. Há ainda a pantomina que consiste em abrir caminho, através de uma alegadamente inofensiva discriminação fiscal, à extinção da tourada, o grande objetivo do PAN.
Partido que, pese embora o nome indicie uma agenda humanista e ambientalista, concentra toda a sua atividade político-parlamentar na suposta defesa dos animais. Vivemos tempos em que muitos querem (legitimamente) equiparar os direitos dos animais aos das pessoas. Propaga-se a frase atribuída a Gandhi de que a evolução de uma determinada sociedade se vê pela forma como os animais são tratados. Como se, com isto, Gandhi tivesse defendido a equiparação legal dos animais às pessoas.
Cada vez mais propensa a fraturas seja lá pelo que for, a sociedade divide-se neste tema, em grande medida, em dois grupos: urbanos e rurais. Dos apartamentos que partilham com cães, gatos e periquitos, e sem nada conhecerem do mundo animal que não seja dos de companhia, os primeiros julgam poder determinar a forma como os segundos devem viver com os seus animais. A matança do porco é cruel, cortar o pescoço ao peru insensível e caçar um desporto assassino. Em paralelo, as Câmaras devem alimentar eternamente cães sem dono. Não há argumentos contra tamanha imbecilidade.
Toda esta coisa não seria tão grave não fosse o lastro conquistado por estes radicais autodenominados amigos dos animais. Esse radicalismo é visível na reportagem da TVI sobre um grupo de justiceiros armados. Energúmenos com uma evidente relação de proximidade ao PAN. Não nos deixemos enganar, esta gente não quer ajudar os animais, quer-nos impingir uma sociedade assente na sua própria mundivisão egoísta, totalitarista, pseudo urbana e pós moderninha de sentido único. Se é essa a civilização do futuro, não temos futuro.

Sobre o autor

David Santiago

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