Descentralização ou desresponsabilização?

Estranhamente, continua a haver muita gente no interior contrária a qualquer intenção regionalista ou mesmo descentralizadora. Sendo certo que são coisas diferentes – a descentralização refere-se à transferência através de leis, de competências e verbas da administração central para a regional (CCDR) ou local (autarquias); a regionalização, constitucionalmente prevista, carateriza-se pela reorganização do território, com a criação de órgãos regionais com poder político próprio, com capacidade de planificação, direção e gestão dos território de forma autónoma e com eleições regionais. Quem vive nos territórios é que sabe o que é melhor para o seu desenvolvimento, por isso, ao permitirmos que as elites de Lisboa decidam por nós vamos adiando o desenvolvimento regional – não podemos calar cada vez que somos ostracizados e devemos levantar a bandeira da regionalização sem delongas.
Entretanto, foram aprovados pelo governo 21 decretos-lei sectoriais para regulamentar transferências de competências para as autarquias. E 180 municípios aceitaram receber novas competências. Mas descentralizar, per si, não vai mudar o país. Não vai determinar nova ordem, nem desenvolvimento imediato. Descentralizar a gestão do património imobiliário público (o mais apetecível para os autarcas), não é o mesmo que descentralizar na Educação ou na Saúde. Entregar a uma Câmara Municipal a responsabilidade de gerir o estacionamento não é o mesmo que dar-lhe a responsabilidade de colocar professores ou sequer ter de requalificar todas as estradas que atravessam o concelho. Não, não pode ser.
Como se viu na tragédia de Borba, onde, enquanto o presidente da Câmara, desorientado, falava da incapacidade da autarquia para controlar as pedreiras e tomar conta das estradas, o primeiro-ministro dizia que a responsabilidade não era do Estado, sacudindo para as débeis costas do autarca a culpa do acidente. A tragédia de Borba é um triste exemplo de como o país funciona, de como a descentralização não pode ser desresponsabilização. E se há competências que devem ser transferidas para as autarquias, há outras que devem ser descentradas, mas para entidades regionais de outra capacidade e dimensão, que não os municípios. Por isso, fizeram bem alguns autarcas, nomeadamente os oito do distrito da Guarda, em não aceitar tudo aquilo que o Governo quer transferir para as autarquias (pelo menos até 2021…). Porque, para além do envelope financeiro, tem de haver o devido enquadramento do que se transfere e, para além das vontades, dos autarcas ou do Governo, é preciso ter a noção da capacidade técnica e das competências locais para assumir algumas das responsabilidades a transferir. Em síntese, a regionalização é, tem de ser, o caminho. Sem ela, a descentralização será sempre uma forma enviesada de reformar o território e a coesão territorial será uma miragem. Os custos das assimetrias são muito mais altos do que a despesa que a regionalização pode gerar. E, entretanto, o despovoamento e a pobreza serão o que fica num país centralizador e lisboeta.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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