Cultura

Museu do Côa aposta na renovação digital

Escrito por Sofia Craveiro

Observar as gravuras rupestres em movimento, perceber a sua sucessão e «compreender o quotidiano» do Homem da Pré-história. Tudo isto está integrado nas novas estruturas digitais disponibilizadas pelo mais recente programa museológico do Museu do Côa, que foi apresentado na data em que se celebrou a classificação do Vale do Côa como Património Mundial, há 21 anos atrás.

O programa era extenso e prolongou-se durante grande parte do dia. Após a inauguração de uma exposição de arte contemporânea organizada pela Universidade de Valladolid (Vaccearte) e de um concerto – muito aplaudido – dos Alma Nuestra, foram apresentadas as novas estruturas digitais do Museu do Côa. No sábado, os 21 anos da inscrição da Arte Pré-Histórica do Vale do Côa na lista do Património Mundial da UNESCO foram o pretexto para apresentar a modernização tecnológica do espaço.
O programa – que estará em vigor durante os próximos dez anos – é pautado pela interatividade, incluindo elementos de realidade virtual e aumentada que contribuem para criar uma experiência museológica mais imersiva. «Esse é o nosso objetivo declarado», afirma Bruno Navarro, presidente da Fundação Côa Parque. «Já não estamos no tempo em que os museus estavam repletos de vitrines com materiais sem informação. A nova realidade das experiências museológicas propõe que se promova a interatividade de conteúdos com as pessoas para que elas possam criar empatia com os mesmos», acrescenta o responsável. Os novos conteúdos e estruturas digitais permitem – através da projeção de animações luminosas em réplicas das pedras gravadas – observar as gravuras rupestres “em movimento” tornando mais clara (e de fácil compreensão) a situação que se pretendia retratar na pedra.
Há animações digitais, painéis informativos interativos e “óculos” de realidade virtual, entre outros novos elementos. Os sistemas são intuitivos e permitem ao visitante do Museu do Côa descobrir de forma autónoma todos os pormenores das gravuras paleolíticas, assim como compreender os seus significados e contextos. Esta renovação teve um custo de «cerca de 150 mil euros», que abrangem «a aquisição do “hardware” necessário» e a «produção de conteúdos», adianta o presidente da Côa Parque, que refere que o financiamento foi recebido no âmbito dos programas “Valorizar” (do Turismo de Portugal) e de apoio à Modernização Administrativa. Na sessão de apresentação estiveram também a secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, a vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Célia Ramos, e o presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal, Luís Pedro Martins, entre outras individualidades.

21 anos de património preservado pela luta dos locais

A classificação do Vale do Côa como Património da Humanidade só foi possível pela preserverança dos municípes que, nos anos 90, lutaram e protestaram contra a construção de uma barragem no mesmo local. No programa comemorativo do passado sábado foi exibida uma versão reduzida do último documentário do realizador francês Jean-Luc Bouvret, “La bataille du Côa – Une leçon portugaise”. O filme, narrado pelo jornalista Fernando Alves, retrata o movimento de luta pela preservação das gravuras rupestres do Vale do Côa, descobertas no âmbito dos trabalhos de construção de uma nova barragem da EDP que acabou por ser cancelada. «Quisemos prestar homenagem a quem lutou para a preservação deste património», justifica Bruno Navarro.
O vídeo – e a história que regista – remete para janeiro de 1996, altura em que o Governo de António Guterres suspende os trabalhos de construção da barragem de Foz Côa. O motivo não reunia consenso: o empreendimento iria submergir o maior núcleo de arte rupestre paleolítica ao ar livre, mas pará-lo implicava a perda de milhões já investidos pela EDP. A polémica instalou-se, refletindo as opiniões divididas da população local e do país. Enquanto os estudantes da Escola Secundária de Foz Côa reclamavam o valor das gravuras descobertas, os mais velhos queriam ver reconhecido o valor económico da nova barragem, que, segundo diziam, traria mais desenvolvimento à região. Depois de meses de discussão, protestos e revolta, personificada principalmente pelos jovens de Vila Nova de Foz Côa, “as gravuras que não sabem nadar” acabaram por sair preservadas e mais tarde reconhecidas.
Em agosto de 1996 foi inaugurado o Parque Arqueológico do Vale do Côa, após a confirmação da importância histórica das gravuras. Foram criadas todas as infraestruturas técnicas, científicas e humanas necessárias para dar cumprimento e justificar a decisão política tomada, sendo estabelecidos circuitos de visita, definidas equipas de investigadores e construídos centros para visitantes. Dois anos depois a arte rupestre do Vale do Côa foi classificada como Património Mundial da Unesco.
Após tempos conturbados, atravessados pela Fundação Côa Parque – criada em 2011 para gerir os núcleos culturais do Museu e Parque Arqueológico – que esteve mesmo em risco de se extinguir, o Vale do Côa atinge agora «a segunda maioridade», nas palavras de Bruno Navarro, que destaca que esta entidade «dá sinais de estar a consolidar-se».

Sobre o autor

Sofia Craveiro

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