Antes que Kenneth Branagh (“Henrique V”(1989), “Hamlet” (1996)) leve ao grande ecrã a sua adaptação de “Um Crime no Expresso Oriente”, de Agatha Christie, convém recordar o feito de Sidney Lumet no ano da Revolução de Abril.
O realizador, que foi nomeado para cinco Óscares mas nunca venceu (recebeu o honorário em 2005), reinventou o incontornável mistério com um daqueles que será, inevitavelmente, um dos melhores elencos de sempre. Foi o primeiro – e único – a fazer uma adaptação do agrado de Agatha Christie. Facilmente ocuparíamos esta coluna a escrever a ficha técnica de “Um Crime no Expresso Oriente” (1974). Albert Finney é o detetive Hercule Poirot e, segundo a sua criadora, terá sido a adaptação mais próxima da sua imaginação. Ingrid Bergman aparece pouco, mas o suficiente para, em 1975, ter conseguido o “hat-trick” em estatuetas douradas. Lauren Bacall, Anthony Perkins, Vanessa Redgrave e Sean Connery são outros dos membros deste grupo galáctico. Juntar estas estrelas não era fácil, pelo que a estratégia passou por contratar primeiro a maior de todas. Na altura, era Sean Connery, muito por culpa da saga de James Bond.
“Um Crime no Expresso Oriente” (1974) é um deleite para quem gosta de cinema e de um bom policial. O filme respira o universo fantástico de Agatha Christie e, não dependendo em exclusivo dele, alimenta um enredo contagiante onde, do primeiro ao último momento, viajamos ao lado de Poirot. Que, humano como é, tem também manias e defeitos. É nesta construção de personagens familiares das páginas da escritora que, à boleia de interpretações de luxo, somos transportados para o mundo de suspense do imaginário de Agatha Christie. Vê-se num trago.
As imagens e os sons que, na leitura, interpretamos de maneira muito própria, são reinventados à luz do melhor que o cinema de então tinha para oferecer. Os detalhes são desenhados minuciosamente, num desafio constante a resolver um mistério impossível. “Um Crime no Expresso Oriente” é uma verdadeira carta de amor a Agatha Christie e ao seu legado, corporizando, para memória futura, uma das histórias mais contagiantes e intrigantes da autora. Em novembro, estreará a nova adaptação do clássico, realizado e protagonizado por Branagh, acompanhado por Johnny Depp, Penélope Cruz ou Judi Dench. O “truque” não é novo, como nesta altura já percebemos, mas resta saber se a magia está lá…
Sara Quelhas*
*Mestre em Estudos Fílmicos e da Imagem pela Universidade de Coimbra
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